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QUAL “CIRANDA DA BAILARINA”?

Texto comentando sobre algumas das caracteristicas da “A Ciranda da Bailarina”, de Edú Lobo e Chico Buarque de Holanda, buscando refletir sobre seu sentido e significados possiveis. [ Julho de 2008 ]
 
A Ciranda da Bailarina, de Edú Lobo e Chico Buarque, é uma música bela, alegre e simples.[1] As pessoas, crianças ou adultos, costumam ter, já desde o primeiro contato, um grande prazer em escutá-la e em interpretá-la.
Existem vários aspectos nesta canção que me parecem importantes de observar e que podem estar na base de sua forte atração. Eles se referem à temática, à poética, à forma e estrutura interna, ao jogo de rimas e aliterações, etc. No entanto, há entre estes aspectos um de grandeza singular, sobre o qual gostaria de chamar a atenção de maneira especial e que tratarei um pouco mais adiante, no comentário que farei sobre sua letra.
Começo apresentando-a e abordando brevemente sua organização poética, para em seguida realizar algumas considerações sobre o seu conteúdo.
  
O jogo entre o “diferente” e o “mesmo”, isto é, entre as diferenças e as repetições, sejam elas idênticas, semelhantes ou mais sutis (nas rimas e aliterações) constróe o padrão de organização dos versos, do ponto de vista rítmico-temporal, por assim dizer, a “música das palavras”. Como se pode observar acima, indiquei as principais recorrências fonéticas em cor, negrito e/ou dois tipos diferentes de sublinhado no interior dos a e b, que compõem as seções.
Ao considerar a música em seu geral, como um todo, obtemos a macroforma seguinte:
               I [a1 + a1′ + b1] II [a2 + a2′ + b2] III [a3 + a3′ + b3]
             IV [a4 + a4′ + b4] V [a5 + a5′ + b5 VI = I’ [a1 + a1′ +2 ]
 
Relação entre Forma musical & Natureza de conteúdo do texto 
O texto das estrofes I a III refere-se a doenças, problemas e questões que poderiamos dizer “epidérmicas”, de superficie (o b3 é transição entre as duas grandes partes da canção I-III e IV-VI [2]). Desde a metade da música entretanto (de IV em diante) são enfocados a moral, o instintivo, o interno, isto é o “dérmico”. A finalização se dá após com o retorno abreviado ao I (apenas os a sem o b), fechando de forma circular a “ciranda” (no que provoca a sensação de que tudo poderia vir a se repetir indefinidamente).
 
Núcleos de natureza de conteúdo do texto
                                   a b 
   I: “Doenças” Imperfeições
   II: “Doenças” + Imperfeições na família “Sujeira
   III: “Doenças” Medo
   IV: Pecado “Sujeira”
   V: Vergonha + Sexo Pobreza + Problema na família
 
Comentário sobre a música…
Do ponto de vista musical, é possivel estabelecer uma relação de afinidade melódica, aproximando o tema desta canção com o de “Lua luar”.
Um comparativo entre as duas melodias põe em evidência seus pontos de semelhança. Este jogo entre proximidades representa uma espécie de diálogo com a tradição, no qual uma criação nova e individual (esta aqui de Edú e Chico) interage, de maneira voluntária ou não, com uma manifestação anterior que ressoa na memória cultural do país. [3] 
 
Comentário sobre a letra…
Ao ouvirmos esta Ciranda, despretensiosa e de caráter infantil, o que em primeiro lugar mais nos salta aos ouvidos é a singularidade de sua personagem. A “Bailarina” a que a canção se refere é diferente, não é igual a ninguém. Não se assemelha à nenhuma pessoa de nossa realidade, homem ou mulher, menino ou menina…
Todos nós compartilhamos de algumas das coisas referidas em seu texto. Todo mundo teve, tem ou poderá vir a ter alguma delas, assim como tantas outras não mencionadas ali… menos a Bailarina. No entanto, esse “não ter” ao invés de desqualificá-la, produz efeito contrário e lhe confere um valor especial, que se constrói progressivamente ao longo da canção.
Seus predicados nesse sentido não se enumeram em si, mas vão se tornando evidentes por oposição àqueles do mundo presente e consensual, do qual se insiste… ela absolutamente não faz parte.
Todo mundo carrega alguma marca, sofreu algum incômodo, desajeito, doença, dor, fraqueza… Ela, porém, é imune a tudo isto, protegida que se mostra, ao longo da história cantada na canção, das limitações da gente humana. Os fatos corriqueiros que nos impregnam, afetam e muitas vezes deixam seus traços ao longo de toda a vida, para ela não existem, nem nunca qualquer cicatriz lhe causaram.
Mesmo uma das experiências fundamentais de qualquer ser vivo, o envolvimento afetivo, emocional e decorrências naturais de um “primeiro namorado” ela não apresenta.
Se faz parte de nossa natureza o equívoco, a falha, o pecado, o se perder, ficar à deriva… nada disto lhe diz respeito!
Bem, está claro, indiscutivelmente a Bailarina não é mesmo humana, não é alguém do “mundo da gente”, não pertence à esta dimensão da realidade que costumeiramente habitamos.
Existem aqui dois focos na interpretação do que essa Bailarina possa então representar. Num deles, se alude ao significado de pureza, saúde, paz, beleza e sobretudo de diferenciação. Estes e outros significados afins que poderíamos ainda lhe atribuir acabam fortalecendo o valor da originalidade, o diferencial que coloca em relevo a identidade singular representada pela Bailarina. Nesta ótica se evidencia uma qualidade maior, generalizável… cada ser humano é um e único, distinto de todos os seres do mundo (independentemente de possuirem ou não consciência deste fato).
Ao lado deste colocar “mundos no mundo”, a Bailarina representa idealização, intenção, desejo conduzido… construção poética. Ao incorporar o extraordinário, promove o “palmo acima do chão”, apresentando o espaço próprio onde ela dança, contraposto ao ordinário, espaço para o qual talvez estejamos sendo aqui convidados a participar. [4] A “dança” adquire assim sentido de liberdade e de invenção humana que atende ao princípio – necessidade ancestral – de criar alternativas e lhes conferir alma, de trazer sempre mais vida às formas.
Em duplo enfoque oferece-se portanto ao ouvinte uma instância superior, uma matriz imagética passível de ser assimilada, explorada, preenchida. Tentarei ser mais explícito…
Essa Bailarina única, ao mesmo tempo em que se apresenta fora do nosso mundo, parece também poder dançar dentro, de maneira sutil co-habitar, junto a tantos outros personagens do imaginário, o universo interior de cada indivíduo.
À partir do instante em que consideramos esta possibilidade de interpretação, ela pode evocar um elemento de referência em nossa consciência, tornando-se mais a lembrança ou revelação de um estado diferenciado de ser e de estar no mundo e menos um “tema” de uma simples história ou de uma bela canção infantil.
É a nossa maneira de interpretar, o ponto de vista particular que adotamos para entender esta ou qualquer outra narrativa (mesmo os fatos corriqueiros de nossa vida), que forja a representação do que chamamos “realidade”.
Enquanto imagem interna, para a Bailarina não existe nem importa pereba, piolho, parasitas ou cruas pequenezas quaisquer, pois não pertencem ao seu mundo, nem ao seu tempo. Ela não carrega nenhuma marca de história passada em seu corpo nem em seu ser, por se tratar de referência simbólica que se expressa no espaço sem limites de uma ordem especial de tempo, o tempo presente. Ela existe acima da realidade comum, fora deste tempo-espaço onde incessantemente misturamos questões pessoais de nosso passado com desejos e projeções de futuro. Ela é, simplesmente é e está. Não foi nem nunca será, pois seu presente é um verdadeiro continuum.
Ela se manifesta no palco do “não-ter” (nada possuir), contrapondo-se, enquanto “ser” que é, ao “ter” que confina cada um de nós na dimensão ordinária em que vivemos.[5] Nesse sentido, enquanto entidade particular (e não simples tema de uma história infantil), ela gera alternativa de resgate de conteúdos e significados mais profundos que questionam nossa maneira habitual de viver e instigam nossa consciência em sentido amplo.
O “ter” estando mais associado ao mundo exterior e físico, o “ser” ao mundo interno e espiritual… O que temos e o que somos? O que me pertence, a que eu pertenço? Quem tenho sido até hoje? De onde venho, para onde me encaminho?
A Bailarina espelha o potencial poético e criativo que possuimos todos. Potencial compromissado com o essencial, de maneira que ao dançar tece o presente, onde tempo eterno e espaço ilimitado se fundem. Por não se constranger aos limites usuais da consciência comum, libera-nos também para outra condição de humanidade, diferenciada e em nível superior.
Ela em seu dançar ilustra o “pés acima do chão” que somos chamados a levantar para irmos além e alcançarmos outras instâncias de maior liberdade do que a cotidiana. A uma qualidade de contato consigo próprio a tal ponto profundo que nos dá a impressão de só sermos nós quando “dançamos” nossa própria “dança”. A isto que só somos nós quando de fato criamos e escutamos nossa própria “música” e, com ouvidos e corpo, mergulhamos na necessidade – não de se deixar conduzir por ela mas – de criar nela e com ela coreografias únicas.
O que seria a nossa “dança própria” no mundo? A Bailarina representa justamente a possibilidade de sermos mais leves e despojados dos apegos (e problemáticas do ego), daquilo que nos atêm à realidade concreta do dia-a-dia, para ascendermos a um espaço no qual mais livres de marcas, medos e anseios possamos conhecer melhor quem somos afinal de contas (“Quem sou eu e quem é você?”).
Sua proposta seduz e pode nos estimular a que lhe dediquemos nossa melhor “música”: estendermos nossa percepção, ampliando a concepção que fazemos da realidade e dando chance assim para que a humanidade em nós se faça superlativa.
Enquanto numa dimensão – mundo de “todo mundo” – se manifestam problemas, limites, restrições de inúmeras ordens, pecados… numa outra – na “dança da bailarina” -, parece haver fluência, sentido, criação e propriedade. Assim, nos é exposto um modelo para a liberdade que no fundo todos almejamos – onde necessidade e sinceridade substituem obrigação e culpa – mas que com freqüência não acreditamos existir, sermos merecedores ou podermos pessoalmente ter acesso.
Este viver confere à Bailarina o sentido que carece na vida de tanta gente. Sentido que a todos é tão importante e cuja falta, problemas e infelicidade, provoca na mesma proporção. Pois de certa forma a perda do sentido de vida está diretamente associada à falta de uma referência, de uma direção que nos pareça sincera e verdadeira. Sem isso, corremos o risco de comprometer a trajetória que intuímos necessária de realizar nesta vida; uma ciranda que tanto desejamos dançar mas cuja música ainda mal conseguimos escutar.
Seria possível viver como ela dança? Seria possível escaparmos dos determinismos e automatismos que construimos ao longo de nossa história pessoal? Superarmos um roteiro de vida pré-estabelecido, ir além da “roda-viva” de cada dia? Conseguiríamos liberar dos passos o peso que ancora nosso corpo no chão, para que na ciranda o guiassem numa espiral inventiva? Haveria espaço nessa coreografia para nos individuarmos e permanecermos integrados no coletivo? Sermos o “um” e o “todo”, simultaneamente, a dança e a música, o observador e o observado?
A “Ciranda da Bailarina”, repetirei, nos lembra que um outro mundo, diferente do comum e cotidiano, é possivel; porém, não um mundo concreto, dado e nomeado especificamente mas um mundo outro, observado, inventado ou descoberto (essa diferença muitas vezes é tão sutil), mas sempre original, diferente deste no qual temos a impressão de viver todos. Na verdade uma outra forma de percepção, capaz de propiciar outros modos de entendimento e consciência desta mesma realidade.
Ela aponta assim para a alternativa de aceder ao espaço criativo oferecido pela música e de penetrar na dimensão poética da dança maior da vida, onde os limites do mundo dominante de rotinas, massificado, previsível, indiferenciado são superados. E isto implica num processo de desidentificação, à partir do qual tenhamos a oportunidade de re-construir uma visão de mundo própria e em sintonia com o nosso viver presente. Transcender é possível, mais do que isso… é necessário!
Neste sentido, o mundo evocado pela Bailarina não é ilusório. Quem de fato garante não ser o nosso próprio mundo uma ilusão? Mundo de imagens e de projeções que acabamos tomando por “real”, de uma “realidade” que precisamos acreditar estável, palpável, unívoca, coletiva para validarmos como verdadeira?
Mundo de “todo mundo”, que nos conforta e assegura, no qual mais repetimos do que inovamos, mais reproduzimos do que criamos, absorvidos que estamos pelo que nos parece importante, desatentos talvez ao que nos seja de fato essencial.
A quem desejar, a mensagem da canção propõe um desafio: resgatar a si mesmo na ciranda que dança a Bailarina, bailarina que toda menina sonha, em sonho que todo menino tem…
Mas também “menino” ou “menina” que todo adulto cultiva, de maneira saudável, pela força do contato vivo e interior, e não apenas retém na memória, por mero saudosismo ou apêgo à infância passada. É no presente que realmente existimos.
Ciranda e Bailarina tornam-se assim elementos que nos facultam transitar do mundo “real” e objetivo – material, determinado e dos “outros” – para o mundo das possibilidades férteis e subjetivo – dinâmico, diferenciado e pessoal -, integrando espaço-infinito e tempo-eterno, modelando poeticamente o palco amplo de nossa imaginação.
Sabemos que para muita gente é ela, imaginação, a única fonte de felicidade, felicidade que, para todos sem exceção, é o principal sentido da vida.
Alguns consideram que é cantando que mandamos a tristeza embora. [6] Outros porém sugerem que ela nos libere através da dança.
Embora uma parte substancial da felicidade pareça então poder ser atingida de maneiras particulares, no canto ou na dança, fica evidente que a música está sempre presente.
E o princípio construtor se mostra agora mais nítido: com a vivência criativa genuína (livre, indagadora e reflexiva) somos capazes de transcender a visão de mundo comum, ampliar a percepção, liberarmo-nos de tudo aquilo que nos distancia dos seres, fatos e de nós mesmos, re-inventarmo-nos no tempo presente, tornando por conseqüência nossa “coreografia” no mundo mais autêntica, a caminho da felicidade.
Quem sabe esta forma de interpretação não nos conduza à uma condição mais favorável de existência, onde a busca de clareza de consciência e a responsabilidade sobre nosso destino cumpram-se nos temas maiores de nossa própria ciranda? A melhor ciranda que formos capazes de cantar, a mais bela ciranda que formos capazes de dançar. [7]
PS – Importante lembrar que… toda ciranda se faz de mãos dadas!
 
Anexo – Partituras: “Ciranda da Bailarina” e “Lua luar”
 

[1] Composta em 1982 para integrar “O grande circo místico”. Há, entre outras, uma interessante gravação feita por Mônica Salmaso no CD “Noites de gala, samba na rua”, Faixa nº4.
[2] Isto enquanto natureza de conteúdo, pois do ponto de vista da estrutura musical trata-se aqui da forma variação, o que acresce interesse neste jogo poético entre as duas linguagens.
[3] Ver ilustração com a partitura das melodias no Anexo, ao final.
[4] “Palmo acima do chão”, enquanto estado de consciência mais elevado, sem apego restrito às questões práticas e funcionais do dia-a-dia.
[5] Observar na letra a marcante presença do “tem” versus “não tem” ou “nem”.
[6] Ver: Caetano Veloso em Desde que o samba é samba: “cantando eu mando a tristeza embora”, que é forma própria de reverenciar o dito popular, “quem canta seus males espanta”.
[7] “Agora estou leve, agora eu vôo, agora me vejo acima de mim, agora um deus dança em mim.” (Assim falou Zaratustra , F.Nietzsche).
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CONSIDÉRATIONS SUR LA SITUATION DE LA MUSIQUE BRÉSILIENNE DES SIÈCLES XVIII ET XIX ET SON ANALYSE

I .
Certains sujets seront traités ici d’une façon très brève. Je m’excuse mais je ne peut pas faire autrement.
Ceci est dû au fait qu’ils sont à peine une illustration que j’utilise pour mieux situer le thème de cet exposé.
Mon but ici est de présenter un prototype d’une ligne de recherche analytique expérimentale, et dont les résultats n’ont pas une valeur définitive.
Je présenterai seulement une des stratégies qu’intègrent cette démarche, passible d’être appliquée avec pertinence dans la production musicale des siècles XVIII et XIX .
Le but recherché ici est de favoriser une meilleure connaissance stylistique de la musique coloniale brésilienne, ainsi que d’orienter et apporter des données plus objectives à l’activité de restauration de ces œuvres.
Quelques points s’imposent concernant la nécessité et l’importance d’établir des stratégies et des modèles analytiques:
  1. la question théorique qui englobe l’analyse – extension du champ des discussions sur les questions théoriques ayant des problématiques originaires dans la production musicale brésilienne;
  2. la littérature qui se réfère à l’Harmonie et à l’Analyse – mise en évidence des concepts propres à la littérature contemporaine de ces disciplines, ayant pour base un outil analytique plus large et original, une fois de plus, dirigée vers la production musicale brésilienne;
  3. La situation de la restauration de la musique brésilienne – offre des résultats en tant que support et référence pour l’activité de restauration et récupération du patrimoine musical brésilien du XVIIIe et début XIXe
L’étude des caractéristiques stylistiques des compositeurs brésiliens éclairée par cette optique, pourrait alors avoir plus de profondeur et nous aider à s’approcher de la richesse de cette musique.


. II .
Il faut dire avant tout que je ne considère pas l’analyse musicale nécessairement une fin en soi. Elle peut être au même temps objet, outil, moyen et support de la production de connaissances. Ainsi, l’analyse s’établit en tant que champ de recherche, appartenant à des domaines plus vastes, comme celui de la Théorie et de la Critique musicales.
Mais, nos objectifs sont ici plus modestes, puisqu’ils ne visent pas, en ce moment, une réflexion dans ces domaines. Cependant, il me parait légitime tout effort d’élargir les limites usuelles de l’analyse, en incorporant d’autres modèles ou de nouvelles stratégies et en les appliquant à des œuvres représentatives de la littérature musicale brésilienne.


. III .
Este tópico é só para te munir de informações diante de eventuais perguntas, quanto a outras justificativas do trabalho
Como se sabe, as disciplinas Harmonia e Analyse Musical são obrigatórias a todo saber e fazer musical, possuindo ainda relevante carga horária nos curriculos das diversas instituições musicais. No entanto, o ensino dessas disciplinas é fundamentalmente baseado numa literatura referencial – teórica e aplicada – que de maneira exaustiva e quase exclusiva faz recorrência, para a demonstração de seus pressupostos teórico-conceituais, a amostragens e ilustrações emprestadas da música estrangeira (em particular da européia).
A justificativa desse fato atribui-se ao baixo número de pesquisas em nosso país, sendo os études, quando realizados, raramente publicados, e isto ainda em revistas ou de pouca circulação ou de outra especialidade.
Menciono exceções: “O Multifário Capitam Manoel Dias de Oliveira”, de Willy Correia de Oliveira (Barroco, 10, 1980, pp.61-88) -onde quatro obras-primas como “Misere”, “Bajulans”, “Popule Meus” e “Domine Jesu” são enfocadas-, “A estrutura tonal na música de João de Deus de Castro Lobo”, de Maurício Dottori (Cadernos de Étude: Analyse Musical, 3, 1990, pp.44-51), entre poucos outros.
Se verificarmos, por exemplo na Biblioteca da Escola de Música da UFMG, os livros relativos à Harmonia encontraremos, o que de forma geral e em situações particulares, não é ignorado por nenhum de nós: dos aproximadamente 35 títulos existentes, 9 apenas são de autores nacionais (Zula e Marilene de Oliveira, João Sepe, João Paulo Silva, Pedro Sinzig -generosamente aqui considerado brasileiro-, Cyro M.Brisolla, Joaquina Campos, Agnello França, José Siqueira) e, o que mais especificamente ilustra nossa problemática, …nenhum deles recorre a uma única obra, que seja, escrita por compositores brasileiros! A situação relativa à bibliografia de Análise é ainda mais constrangedora [a construção paciente e persistente de um corpus crítico específico vem sendo entretanto realizada por meio da publicação periódica Cadernos de Estudos : Analise Musical, editada pela Atravez].
Portanto, na intensa limitação da literatura atual, encarada sob esse aspecto, reside um dos alvos da pretendida contribuição do presente trabalho: colaborar no sentido da criação de um corpus de estudo de Harmonia e Analise, aplicado à produção musical brasileira. Única maneira, na minha opinião, de propiciar o desenvolvimento do conhecimento “tout court” e, em particular, crítico -no amplo sentido do termo- das músicas aqui compostas. Forma talvez de situar, como objeto de estudo da Harmonia e da Analise, as obras corais de um José Maurício Nunes Garcia não à frente, porém nem atrás, mas sim ao lado das de um João Sebastião Bach.


. IV .
En 1895 Visconde de Taunay dans une série d’articles (publiées dans Revista Brasileira et dans le Jornal do Comércio) avait attiré l’attention sur la valeur artistique de Pe.José Maurício Nunes Garcia. Il a été ainsi un des premiers à mettre en valeur la récupération de la mémoire musicale brésilienne de l’époque coloniale.
Un siècle s’est passé, sans que la musicologie brésilienne n’ait pu transférer vers le patrimoine culturel actif une partie significative de la production musicale coloniale brésilienne, malgré les efforts notables de Francisco Curt Lange, Cleofe Person de Mattos, Jaime Diniz, R.Duprat, José Maria Neves e Ademar Campos Filho, entre autres.
Cette forte limitation s’explique: les études produites sont proportionnelles à l’accès aux œuvres musicales; et c’est justement l’activité de restauration qui détermine cette accessibilité.
Pour avoir une idée de cela, considérons l’état des œuvres, au début des années 90, dans une des plus importantes collections de manuscrits musicaux de Minas Gerais: le Museu da Música, de Mariana.
Distribution des 498 titres classés [1]
Pièces A.Anonyme A.Identifié Total Complètes 004 012 016 Incomplètes 149 104 253 Douteuses 062 063 125 Sans références 056 048 104 Total 271 227 498 Restaurables c.102 c.108 c.210 Restaurées 000 012 012Considérons maintenant quelques exemples spécifiques:
Jerônimo de Souza Lobo: 13 pièces Pièces Complètes 01 Incomplètes 07 Douteuses 04 Sans références 00 Restaurées 01 João de Deus de Castro Lobo: 19 pièces Pièces Complètes 00 Incomplètes 09 Douteuses 07 Sans références 03 Restaurées 00 Manoel Dias de Oliveira: 15 pièces Pièces Complètes 01 Incomplètes 07 Douteuses 05 Sans références 02 Restaurées 01 Pe.José Maria Xavier: 13 pièces Pièces Complètes 00 Incomplètes 06 Douteuses 04 Sans références 03 Restaurées 00 Joaquim de Paula Souza: 06 pièces Pièces Complètes 00 Incomplètes 05 Sans références 01 Restaurées 00En ayant pour base ces quelques compositeurs renommés, nous pouvons consigner l’importance du travail de restauration (sur la base des 66 pièces des 5 compositeurs mentionnées en haut):
Incomplètes 34 (50.0%) Douteuses 20 (30.3%) Sans références 11 (16.7%)Par conséquent, nous pouvons partiellement mettre en évidence le rôle fondamental que l’activité analytique peut avoir dans la réalisation d’un travail de restauration orienté, de façon qu’il soit plus sûr et plus objectif.
L’importance de l’analyse apparait aussi face à la question de l’identification de l’auteur, car en grand nombre les musiques coloniales sont encore actuellement, soit considérées d’ “auteur anonyme“, soit “attribuées à” (c’est-à-dire qu’on ne sait pas, de manière assurée, quel est le compositeur).
Comme exemples d’ambigüités, citons quelques-uns:
Le “Credo“, cité comme composé par Jerônimo de Souza Lobo [in: O Ciclo do Ouro…, RJ, PUC/Xerox, 1978, p.89] est attribué à José Maurício Nunes Garcia, en deux copies localisées à São Paulo (“Conservatório Dramático e Musical“) et à Pindamonhangaba/SP (“Museu D.Pedro I“).
De façon analogue l’antiphonie “Sacrum Convivium“, cité comme composé par Jerônimo Souza Lobo [cf.O Ciclo do Ouro, pp.90-91, microfilme PUCRJ-07(0260-0272)] apparait aussi attribué à José Maurício Nunes Garcia, en copie de la Bibliothèque de l’École de Musique/UFRJ.
Le “Magnificat“, copié en 1919 par José Luiz Cerqueira, indique comme compositeur João de Deus, dans la partie contrebasse [microfilme: PUCRJ-20(0600-0629), in: O Ciclo do Ouro, p.106]. Cette même œuvre possède cependant une copie antérieure, de 1833, par Fructuoso Mattos Couto, sans indication de compositeur [microfilme: PUCRJ-02(0768-0788)], et ainsi considéré d’auteur anonyme. De son côté, la Commission d’Analyse de Documents (Ciclo do Ouro) attribue cette musique à Emerico Lobo de Mesquita [cf.Op.cit, p.107].
“Quatro para Domingo da Ressureição” (“Surrexit Dominus“) ne possède pas le nom du compositeur dans les parties copiées par Antonio Gonçalves de Lima [cf.O Ciclo do Ouro, p.183]. Pourtant, l’oeuvre est classifiée entre les titres de Manoel Dias de Oliveira, portant l’observation de la même Commission d’Analyse: “auteur discutable“.
Voici, entre autres, les questions qui ont provoqué la réalisation de cette recherche. Son but, par conséquent, est d’apporter des informations qui puissent contribuer à résoudre cette problématique (bien que cette dernière soit plus complexe).
Une analyse fondé sur un modèle quantifié pourrait atteindre deux buts fondamentaux (hypothèses):
élaborer un ensemble d’informations sur les particularités stylistiques des compositeurs de musique coloniale brésilienne, élargissant la frontière critique et conceptuelle actuelle et, par conséquent, l’apport d’objectivité nécessaire à la restauration de ses œuvres
établir, à partir des informations précédentes, des comparaisons entre les traits pertinents de l’écriture des maîtres renommés de la période coloniale et, d’un autre côté, augmenter la connaissance des normes esthétiques qui ont régi la création de ses œuvres
Com o relativo maior avanço das pesquisas históricas sobre as analíticas, a musicologia brasileira vem se alimentando, tal como considero, desequilibradamente de “evidências externas”, acumulando -na deficiência de fatos significativos e esclarecedores- dados historiograficamente limitados e por vezes elaborados com parca cautela interpretativa.
A direcionalidade desses fatos no sentido de auxiliar a compreensão das obras em seu contexto histórico e estético, só poderá advir mediante “evidências internas”, desprovidas de qualquer intensão taxionômica anacrônica, mas conferidoras legítimas de uma nova apreciação da música enquanto música.
. . .
[1] Donnés provenants de l’étude “Situação atual do Museu da Música de Mariana”, realisée par Valéria Costa Val, sous ma direction, dans le cadre du “Núcleo de Apoio à Pesquisa” da Escola de Música/UFMG, 1991.

. V .
Cet exposé se réfère essentiellement au premier de ces points.
Nous considérons ici que l’analyse individuelle d’une musique a pour but de dévoiler son idiolecte (ses principes constructeurs propres) et de connaitre les moyens spécifiques utilisés dans sa mise en œuvre.
Cependant, nous savons que toute musique illustre aussi bien des propriétés originales et immanentes (ce qui en évidence lui est propre) que des traits caractéristiques de l’invention de son auteur. Dans ce sens, nous pouvons distinguer dans l’ensemble des œuvres produites par un compositeur ses caractéristiques expressive-compositionnelles -les règles particulières qui déterminent son style-, aussi bien que les normes plus générales qui les ont influencé -l’esthétique établie, représentée par les normes musicales de son époque.
Dans ce sens, nous pouvons considérer, d’une manière synthétique, quatre niveaux de norme [2]:
1. Norme individuelle de l’œuvre ……. Idiolecte 2. Norme particulière de l’auteur ……. Style et Stylèmes 3. Norme sociale d’affinité ………… Ecole 4. Norme établie de l’époque ………… Esthétique Les analyses que l’on pourrait nommer de “qualitatives” ont pour but de mettre en valeur, d’une façon détaillé, les normes et les caractéristiques d’une composition donnée. Ce sont des “analyses fines”, qui plongent dans la subtile intériorité de l’univers de l’œuvre, soulignant son idiolecte, sa grammaire et les matériaux particuliers qui l’ont forgé.
D’un autre côté, les analyses que l’on pourrait appeler “quantitatives” partent également d’une analyse neutre mais opèrent avec un ensemble de données, sélectionnées d’une ou plusieurs dimensions pertinentes de l’œuvre, selon un traitement statistique.
D’une manière générale, nous pourrions dire que les analyses quantitatives présupposent la réalisation d’analyses qualitatives, desquelles elles constituent un deuxième niveau d’articulation.
Ces deux modalités d’approche sont évidemment complémentaires et, à mon avis, nécessaires[3].
. . .
[2] Pour une discussion plus approfondie, voir: Max Bense, Kleine Aesthetik – Einfuehrung in Probleme und Resultate des Informationsaesthetik (1968) [Petite Esthétique].
[3] L’option ici pour un modèle analytique quantitatif ne signifie pas l’adoption inconsciente d’une position positiviste [telle quelle J.Kerman critique de façon insistante en Musicology], associée directement aux postulés de la musicologie dès débuts du XXe siècle.

. VI .
Je présente maintenant exclusivement l’approche quantitative, son plan général.
Nature des approches analytiques adoptées [4]
Du point de vue Harmonique:
Analyse fonctionnelle étude des configurations harmoniques Analyse des enchaînements étude des constantes d’articulation Analyse des cadences étude des “pas harmoniques” employés dans les processus cadenciaux (de cadence)Du point de vue Mélodique:
Analyse des intervalles étude du degré de diversificationAnalyse des directions étude systématique des profilsAnalyse de séquences étude des patterns structurelsMatrice de Markov préférence des combinations dans la succession mélodiqueL’échantillon étudié dans ce travail analytique ne contient, de façon prototypique, que des œuvres chorales [5].
A. Procédés de base employés dans le processus analytique:
Analyse de la partition
Chiffrage des configurations harmoniques
Codage des chiffres et entrée des données en microordinateur
Montage des donnés/résultats
Définition des aspects particuliers d’étude
Réalisation de tableaux et graphiques
B. Aspects d’étude dans la analyse:
Pourcentage de chaque configuration à l’intérieur de sa fonction et le pourcentage générale dans l’ensemble de la pièce [voir: Figure I]
Typologie des événements harmoniques [Fig.II]
Typologie des modalités de la fonction [Fig.II]
Typologie des caractéristiques des accords [Fig.II]
Typologie des inter-dominantes
Régions modulées à l’intérieur des pièces
Pourcentage des configurations de base (T, S, D)
C. Critères adoptés:
Tous les accords ont été chiffrés selon les postulats de l’Harmonie Fonctionnelleet en conformité avec une liste codée, établie préalablement [6].
Chaque mesure a été subdivisée en unités de référence, nommée Évènement Elémentaire Harmonique (“EEH”) [7].
À partir alors des résultats offerts par ces outils de base (présentés très partiellement ici) nous pouvons vérifier plusieurs caractéristiques de comportement harmonique. Il est possible d’observer, par exemple, que la proportion des modifications impliquées dans la fonction de la Tonique (illustré par la Figure III, ci-dessous) – jeu entre pureté 90,9% et modification 9,1% – est significative et assez différente de celle que nous rencontrons pour la Sous-dominante (49,5% – 50,5%) et la Dominante (27% – 73%).
Les modifications sont le résultat principalement d’un processus de croissance de tension/ambigüité, comme il est possible de vérifier dans la complexité progressive du langage tonal tout au long du XVIIIe et du XIXe siècles.
Étant donné, que c’est justement la Dominante la fonction responsable pour cela, nous voyons la confirmation de la “règle”: bas indice d’altération de la Tonique et haut indice de la Dominante, la Sous-dominante occupant une position intermédiaire.
Cependant, les valeurs spécifiques sont toujours particulières pour les divers compositeurs et différentes chez un même auteur selon la phase d’évolution de son langage.
Si nous observons la Tonique, nous constatons que la plupart des altérations incident/correspond sur l’accord en position fondamentale (évitant ainsi d’apporter sur la fonction de repos une caractéristique qui est propre à la fonction de la Dominante). Il n’arrive jamais, dans ce cas, des accords altérés de Tonique présentés simultanément avec allègement et inversion (une fois de plus ambigüité excessive impropre pour la T, mais légitime pour la D).
La comparaison des caractéristiques de l’harmonie entre deux compositeurs ou plus est aussi très intéressante.
Prenons Manoel Dias et José Maurício, par exemple, en mettant côte à côte les proportions des fonctions de base (T S D) avec et sans altération (voir: Figure V). Chez Manoel Dias la fonction qui apparait le plus est la Tonique (33%, sans altération, représentative du repos. Chez José Maurício, par contre, c’est la Dominante avec altération qui est en évidence (38,2%), responsable pour la tension.
Bien que la proportion entre la S et la S altérée soit relativement équilibrée dans le contexte des évènements harmoniques pour les deux compositeurs, chez Manoel Dias il y a une plus grande présence de Tonique alors que chez José Maurício ce sont les fonctions de S et de D les plus nombreuses.
Nous pouvons considérer, à partir de ces données – ajoutées encore aux natures et proportions des altérations d’accords – que la musique du deuxième compositeur est, du point de vue harmonique, relativement plus riche et complexe. Une telle hypothèse se voit encore renforcée par les indices de distribution des accords, où la typologie des occurrences harmoniques démontre des valeurs pratiquement en double chez José Maurício (voir: Figure V).
Cependant, cette affirmation ne peut pas être prise de façon sommaire et absolue, car sous d’autres aspects nous rencontrons, dans l’œuvre de ces deux compositeurs, des résultats contraires – les procédés d’enchainements d’accords et en particulier des “pas harmoniques”, par exemple sont plus riches chez Manoel Dias. Ainsi, si les outils de synthèse (de rassemblement des données) peuvent s’offrir comme importants recours pour la connaissance de style et des caractéristiques d’écriture, ses résultats doivent être interprétés avec prudence et attention.
Les conclusions “figées” sur un aspect du langage d’un compositeur quelconque sont généralement une conséquence directe du manque de considération, de la part de celui qui interprète, de la distance esthétique et stylistique séparant les compositeurs, ainsi que leurs niveaux individuels d’inventivité et la signification artistique produite par la fonction sociale de leur musique.
[4] Métrica : l’approche analytique fondé sur la Théorie Générale du Rythme -tel que j’ai réalisé avec le Prof.Lusson, dans le cadre du “Centre de Poétique Comparée”, à Paris- n’a pas été suffisamment mis au point pour ce travail. Le paramètre privilégié des musiques analysées est plutôt l’harmonique.
[5] Voici les pièces analysées: A) José Maurício Nunes Garcia: Gradual para Domingo de Ramos, In monte Oliveti, Domine tu mihi lavas pedes, Judas mercador pessimus, Domine Jesu, Improperium expectavi cor meum, Popule meus, Crux Fidelis, Felle potus, Sepulto Domino [in: Obras Corais a Cappella, ed.par Cleofe P.de Mattos, RJ:1976]. B) Manoel Dias de Oliveira: Cujus animam, Venite adoremus, Domine Jesu, Tantum ergo (1), Tantum ergo (2), Popule meus, Motetos para a Procissão do Enterro, (Heu!, Pupilli, Cecidit corona, Sepulto Dómino), O quam tristis [partitions assemblées / restaurées par Ademar Campos Fo. et Geraldo B.de Souza, publiées plus tard par FUNARTE]. C) André da Silva Gomes: Cinco motetos para se cantar…, Ladainha a quatro vozes…, Ofício de 4a.feira de Cinzas, (Exaudi nos, Salvum me fac, Gloria, Immutemur, Kyrie, Adjuvanos, Exaltabo, Sanctus, Agnus Dei) [partitions assemblées/restaurées par R.Duprat].
. . .
[6] Voir en Annexe.
[7] Définie comme la plus petite valeur de durée, de la pièce, dans laquelle nous avons pu vérifier l’existence d’une entité harmonique.


. VII .
De façon générale, dans l’activité de restauration nous rencontrons de manière très fréquente -quand il manque une ou plus parties musicales- la pratique que consiste à “compléter l’accord”. Il y a une logique derrière ce geste, car quand il manque une voix et l’ensemble des parties existantes forment un accord incomplet, la tendance “naturelle” serait de le compléter. Mais, en analysant les pièces complètes -qui n’ont pas été restaurées-, nous avons pu mettre en évidence que les accords incomplets sont relativement fréquents et ainsi peuvent être considérés, à mon avis, partie intégrante du style des compositeurs de cette période de Minas Gerais. L’action de compléter systématiquement les accords dans le travail de restauration est ainsi une pratique que ne prend pas en considération la texture harmonique caractéristique de cette musique (une fois que cette action va dans le sens contraire à l’intention expressive du compositeur).
Nous considérons qu’il y a encore aujourd’hui des questions importantes qui restent sans réponse et pour lesquelles la recherche de méthodes analytiques pourraient offrir des contributions significatives.
Par exemple: la production musicale brésilienne reflète l’influence de l’École de Manheim ou bien de l’École Napolitaine? En cas d’une réponse affirmative à de ces deux possibilités, quelle est la part de cette influence et quels sont les originalités?
Et, parallèlement à cette question: les traits plus déterminants de la musique coloniale brésilienne proviennent de la musique baroque, préclassique, ou …? Selon quels points de vue, pour quel compositeur et pour quelle phase de sa production?
Je pense que seulement des réponses bien génériques sont possibles à ces questions, si nous n’arrivons pas à distinguer avec un peu plus de clarté les lignes de force et les traits stylistiques qui tissent de façon fine et subtile ce large tissu que nous appelons “Musique Coloniale Brésilienne“.
Dans ce sens, il est nécessaire alors d’essayer de mettre en évidence les quatre modalités de normes mentionnées auparavant, déterminant les permanences et les variances.
Et cela, évidemment, présuppose une conception de Musique, une conception de la tâche analytique et de l’Analyse en soi.
Dans l’absence de cela, la production musicale brésilienne et sa culture pourront se voir limitées à des approches ponctuelles et de surface, sans doute, inférieure, bien inférieure à la valeur et au signifié qu’ont l’Analyse et la Musique Brésilienne.

ANNEXE
Codes utilisés dans le chifrage des accords, selon l’analyse fonctionelle
(Exemples dans la tonalité de Ut Majeur)
TONIQUE
Accord fondamental et ses inversions
Code pour Chifrage Composition softerware Harmonique de l’accord:T02 T Dó Mi Sol T03 T3 Mi Sol Dó T04 T5 Sol Dó Mi
Allègements (Despojamentos)
T05 T Mi Sol T06 -3T Ut Sol T07 -5T Ut Mi T08 -5T3 Mi Ut
Voisins de tierce
a) Relatif
T09 Tr Lá Ut Mi T10 Tr3 Ut Mi Lá T11 Tr5 Mi Lá Ut T12 -3Tr Lá Mi T13 -5Tr Lá Ut
(Tr alt)
T14 Tr7 Lá Ut Mi Sol T15 Tr73 Ut Lá Mi Sol T16 Tr75 Mi Ut Lá Sol T17 -5Tr7 Lá Ut Sol
b) Anti-relatif
T18 Ta Mi Sol Si T19 Ta3 Sol Si Mi T20 Ta5 Si Mi Sol… etc … etc …
A disposição das analyses se deu em instrumentos de captação originais, criados especialmente para fins de computação geral. Neles, uma numeração na parte superior da folha indicou cada um dos EEH (por exemplo, em 2×3 temos 01-06, em 2×4 01-08, em 4×4 01-16 unidades e assim por diante) e os números indicados na coluna da margem esquerda referiram-se aos compassos da partitura.
A permanência na peça de uma dada fonction (sua duração) foi indicada por um traço horizontal contínuo; esse traço corresponde portanto à manutenção não apenas da fonction harmonique mas também do acorde na configuration analisada.
A ausência de cifras ou tracejado numa dada casa indica pausa ou silêncio harmônico.
As cifras harmonicas foram então transpostas para códigos particulares, colhidos numa outra folha do mesmo instrumento mencionado acima. Com base então nesse último instrumento passou-se finalmente para a digitação dos códigos num programa de microcomputador especialmente criado no interior de um banco de dados a fim de se proceder rapida e seguramente à contabilização das configurations e aos cálculos porcentuais destes no interior da fonction e no âmbito de toda a peça, bem como dos porcentuais das três fonctions de base no geral da música analisada.
As configurations harmonicas ocorrentes nas modulações passageiras breves foram indicadas conjuntamente às fonctions relacionadas. Por outro lado, as configurations presenciáveis em regiões moduladas -isto é, nas quais se afirmou nova relação T/D- foram computadas simplesmente como sendo pertencentes à tonalidade original.
Não foram consideradas as repetições literais, sejam ritornelos sejam os trechos onde a música escrita foi reapresentada identicamente apenas veiculando um novo texto.



Artigos, Livros, Palestras e Revistas
POR UMA MÚSICA SEMPRE VIVA!

[publicado no Guia do Ouvinte – Cultura FM 103,3, São Paulo: Setembro de 2000, nº160, p.3-8]
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Em 2 de Setembro próximo Hans-Joachim Koellreutter faz 85 anos de idade e… o Brasil um pouco mais de 62 anos de Koellreutter.
Comentar sobre esse importante músico e suas atividades é tarefa fácil e ao mesmo tempo muito delicada. A quantidade de iniciativas, realizações e pessoas que participaram direta e indiretamente do movimento que ele provocou entre nós é tão numerosa que embora não falte “material” corre-se o risco de tratar assuntos relevantes de maneira ligeira e superficial.
E discorrer sobre Koellreutter sem tratar a Música Viva – o movimento musical e formador, o grupo de compositores, os concertos e tantas realizações mais – seria abrir mão de uma visão perspectívica fundamental que impossibilitaria enxergá-lo em sua real dimensão.
Nascido em Freiburg, na Alemanha, a 02/09/1915, é um jovem flautista e músico entusiasta que desembarca do na­vio Augustus no porto do Rio de Janeiro, em 16 de Novembro de 1937.
A terra lhe é estranha, o povo e seus costumes absolutamente desconhecidos.
Koellreutter havia estudado com vários professores: Gustav Scheck (flauta), C.A.Martiens­sen (piano), Georg Schuenemann e Max Seiffert (musicologia), Kurt Thomas (composição e regência coral), tendo ainda freqüentado cursos e conferências ministrados pelo compositor Paul Hindemith e também por Hermann Scherchen.
Na realidade, este último, renomado regente alemão, não foi apenas um entre seus vários professores, porém, e mais propriamente, o mestre que exerceu sobre a sua formação pessoal profunda e decisiva influência. E foi Scherchen quem cunhou originalmente a expressão “Musica Viva“, inaugurando um movimento musical autêntico e nomeando assim um periódico musical, que editou em Bruxelas de 1933 a 1936. [1]
Com 22 anos ao desembarcar no Brasil, Koellreutter traz o desejo de dar continuidade a essa iniciativa, já enriquecida pelas participações que ele próprio havia tido em grupos com certo ineditismo de propostas (“Círculo de Música Nova” em 1935 e “Círculo de Música Contemporânea” em 1936).
Líder e empreendedor por natureza, ele tratará de adequar e desenvolver suas experiências junto à nova realidade (desafio não minimizado, apesar do ambiente aparentemente favorável e suas proposições no meio musical atenderem a uma necessidade de renovação e dinamismo já expressa em alguns setores [2]).
Mas a nova terra lhe é estranha, o povo e seus costumes absolutamente desconhecidos. Ele tinha já ouvido dizer do famoso músico Heitor Villa-Lobos e, segundo consta, foi através de uma anônima dançarina de um cabaré alemão, supostamente íntima do compositor brasileiro, que obteve o contato para encontrá-lo no Brasil.
Quem de fato o acolhe no Rio de Janeiro porém é o grande musicólogo, anfitrião incansável, de nome ressoante: Luiz Heitor Correa de Azevedo. [3]
Por um lado, apresenta-o ao pianista Egydio de Castro e Silva, com quem, logo em 1938, realiza uma série de apresentações pelo nordeste do país, no âmbito da Instrução Artística do Brasil. Mais significativo no entanto é o contato direto que lhe propicia com o núcleo de músicos e intelectuais freqüentadores da loja de música Pinguim, na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. Ali assiduamente se encontravam Brasílio Itiberê (jovem compositor e professor do Conservatório), Octávio Bevilácqua (crítico musical do O Globo), Andrade Muricy (escritor e crítico musical do Jornal do Comércio), Alfredo Lage (membro da alta sociedade e primeiro aluno de Koellreutter no Brasil), Egydio (também compositor) e o próprio Luiz Heitor, entre outros.
A partir desses contatos é que nasce então, por obra de Koellreutter, a Música Viva brasileira, cujos primeiros participantes serão justamente estes freqüentadores da Pinguim, conforme veremos figurar no boletim Música Viva, publicado 2 anos mais tarde (Música Viva nº1, RJ: 1940).
Mas será já a partir de 1939, que as atividades significativas do movimento se desenvolverão concretamente, sob forma de audições, recitais e concertos.
Inaugura-se assim um movimento pioneiro de renovação musical, concebido sob o tríplice enfoque: Formação (educação) – Criação (composição) – Divulgação(interpretação, apresentações públicas, transmissões radiofônicas), que integrados terão intensidades proporcionais ao longo de sua existência.
A pianolatria, assim como o virtuosismo transbordante de si, o adesismo sonâmbulo às formas e estilos do passado ou o descaso lacônico frente à criação de uma música brasileira nova, que já haviam sido contundentemente criticados por Mário de Andrade, continuaram a ser combatidos por Koellreutter. [4]
Se as sociedades artísticas e agremiações musicais da época “realçavam o virtuose e o concerto”, Koellreutter e a Música Viva (já em inicio de 41) buscarão “divulgar o compositor e sua obra, principalmente a contemporânea”.
Assim, o trabalho frente à nova “realidade em transformação”, adquire importância e ataca (algumas vezes frontalmente) as deficiências do meio pedagógico e artístico de sua época.
Os objetivos desse trabalho são explicitados de maneira clara e, lamentavelmente, as problemáticas que visam ecoam ainda em nossa atualidade:
…despertar – entre os próprios profissionais – o interesse pelos problemas de expressão e interpretação da linguagem musical de nosso tempo.
…participar ativamente da evolução do espírito e combater o desinteresse completo pela criação contemporânea que reina entre nós por parte do público como também por parte dos profissionais.
Criar um ambiente próprio para a obra nova, para a formação de uma mentalidade nova e destruir preconceitos e valores doutrinários, acadêmicos e superficiais, está em nosso plano, pois pela arte é que se reconhece o grau de cultura de um país. [5]
Na realidade, já significativamente em 1º de Maio de 1944, o grupo Música Vivahavia concebido e divulgado um dos mais concisos e brilhantes manifestos brasileiros – o “Manifesto 1944” -, possuindo as assinaturas de Aldo Parisot, Cláudio Santoro, Guerra Peixe, Egydio de Castro e Silva, João Breitinger, Mirella Vita, Oriano de Almeida e Koellreutter. [6]
Manifesto:
O grupo Música Viva surge como uma porta que se abre à produção musical contemporânea, participando ativamente da evolução do espírito.
A obra musical, como a mais elevada organização do pensamento e sentimentos humanos, como a mais grandiosa encarnação da vida, está em primeiro plano no trabalho artístico do Grupo Música Viva.
Música Viva, divulgando, por meio de concertos, irradiações, conferências e edições a criação musical hodierna de todas as tendências, em especial do continente americano, pretende mostrar que em nossa época também existe música como expressão do tempo, de um novo estado de inteligência.
A revolução espiritual, que o mundo atualmente atravessa, não deixará de influenciar a produção contemporânea. Essa transformação radical que se faz notar também nos meios sonoros, é a causa da incompreensão momentânea frente à música nova.
Idéias, porém, são mais fortes do que preconceitos!
Assim o Grupo Música Viva lutará pelas idéias de um mundo novo, crendo na força criadora do espírito humano e na arte do futuro.
O movimento produziu ainda publicações regulares de boletins, edições de música, concertos, recitais, audições experimentais e programas radiofônicos veiculados semanalmente na PRA-2, Rádio Ministério da Educação, afora as aulas particulares ministradas por Koellreutter para um contingente de alunos em São Paulo e no Rio.
Foram introduzidas em todas estas oportunidades a divulgação da música atonal, dodecafônica, serial e produções experimentais diversas, lado a lado com a música nacionalista (brasileira e estrangeira) e a música de várias outras épocas, Idade Média, Renascença, Barroco, etc. [7]
Mas se a música esteve tão viva inicialmente no Rio, logo em 1941 inicia-se um movimento paulista, quando Koellreutter começa a realizar cursos particulares na cidade de São Paulo, a exemplo do que já fazia no Rio de Janeiro.
A inauguração oficial do movimento paulista só se deu porém em meados de 1944. O grupo de alunos desta safra era integrado por: Gení Marcondes, os jornalistas Ruy Coelho e Alvaro Bittencourt, a família Simon e, possivelmente, Eva Kovach, Lídia Alimonda, Jenny Pereira, Magdalena Nicoll e em seguida também por Nininha Gregori, Damiano Cozzella, Roberto Schnorrenberg, Hans Trostli, Eunice Katunda (que logo virá a integrar o grupo de compositores, junto com Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Edino Krieger) e Jorge Wilheim.
Sem dúvida comemorar é sempre bom, festejar Koellreutter ainda melhor. Mas, a meu ver, onde mais sentido pode haver é no brinde ao conjunto de iniciativas e atividades realizadas ao longo de cada um dos anos que ele passou aqui e que geraram um movimento dinâmico e verdadeiramente saudável junto à cultura brasileira (embora mais marcante no Rio e em São Paulo, não apenas nestas capitais).
E isto se fez de 1938 a 1952, sob a expressão “Música Viva” e após esta data (com o desaparecimento formal do movimento) com o mesmo espírito que até então havia inspirado e determinado sua trajetória.
Sem esta postura – assumida em nome do movimento ou no nome pessoal do inquieto e instigante Koellreutter – talvez muitos de nós estivéssemos ainda a enaltecer, como Siomaras Pongas, valores e conceitos mais afins do ambiente e da cultura musical do final do século XIX, adorando bustos de falsos Beethovenssobre pianos mudos, empoeirados solitariamente em cantos quaisquer.
Ele criou o que podemos chamar de “escola”, buscando por em relêvo a capacidade coletiva de uma geração. Uma escola de composição, de pensamento, entre várias escolas concretas (em São paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia, mas também em Nova Delhi e Tóquio), cujos discípulos foram incontáveis. Ele foi criticado e atacado por muitos, mas também amado, acolhido e defendido por muitos outros.
Isto se compreende. A mesma força que a tantos atraiu, em dado momento se tornou na mesma proporção força negativa. Penso que o que podemos comemorar de melhor hoje é justamente esta dinâmica que gerou tanto movimento, e ao mesmo tempo tanta polêmica, que forçou a tomada de posição de tantas pessoas, que provocou um pensamento e uma reflexão sobre o papel do músico na sociedade atual, sua função mais ampla e sobre este tempo que co-habitamos (seja lá a data que tenha) : a música nova de todas as épocas, o homem contemporâneo de cada dia.
A fronteira entre as trajetórias da Música Viva e de seu orientador é sutil. Isto porque, de um lado a força da personalidade de Koellreutter e o carisma que exerceu impregnaram fortemente a maneira de ser de muitos daqueles que com ele dividiram idéias, projetos e realizações. De outro, a sedutora proposta de revitalização artístico-cultural do movimento engendrado, criou nele trilhas internas, deixando marcas sensíveis em todas as suas atuações posteriores.
Empreendedor e obra fundiram-se nos vários sentidos da expressão música viva: movimento musical, grupo de criação, sociedade artística, programa radiofônico, concertos, audições experimentais, recitais, boletins, cursos, estética… Em última instância, estes foram todos receptáculos de um mesmo conteúdo, de uma mesma ideologia ou filosofia.
Parte fundamental do fascínio que Koellreutter exerceu sobre seus discípulos e colaboradores deve-se, a meu ver, ao fato dele ter acreditado na existência de algo a mais em cada ser humano, na música, em sua função na sociedade e na própria sociedade em transformação (e a ser continuadamente transformada). Isto não significou apenas transcender os fatos tais como eles se apresentaram na realidade, mas sim criar um sentido capaz de alimentar diversas existências.[8]
“Pergunte-se sempre Por que?“, “Não se sinta jamais realizado” – com estas colocações instigantes e já clássicas de sua maneira de ser, entre outras, ele procurou revitalizar o papel de cada individuo, valorizar sua atuação pessoal e sua participação na transformação do mundo, conferindo responsabilidade na descoberta e no surgimento do novo e fortalecendo assim o sentimento de utilidade (coletivo e social).
…o compositor moderno participa, como qualquer outro cidadão, dos grandes problemas do povo e da humanidade. Por isso penso não ser bastante ao jovem artista preocupar-se unicamente com a sua arte e o seu instrumento, mas sim que o jovem artista deve conhecer a literatura, as artes plásticas, as ciências sociais, a filosofia, a política, etc., para poder colaborar ativamente na formação do espírito do povo e da humanidade, porque são os artistas-criadores os arquitetos do espírito humano. [9]
[publicado no Guia do Ouvinte – Cultura FM 103,3, São Paulo: Setembro de 2000, nº160, p.3-8]
. . . . .
Aí se localiza a essência de uma proposta autêntica, cristalizada, numa fase inicial pelas atividades Música Viva e desde então desenvolvida continuamente por Koellreutter ao longo de empresas subseqüentes (experimentando de formas diversificadas o “sentido coletivista da música”).
Estimulador, aglutinador, catalizador por natureza, ele pode ser considerado não meramente o professor de intensas e contínuas atividades; mas, também, o mais representativo – e avant la lettre – animador sócio-musical de nossa história moderna. Os movimentos por ele insuflados repousam na base das mais significativas iniciativas musicais do país, sejam elas modestas formações de coros ou ambiciosas criações de organismos e instituições, da fundação do movimento Música Viva ou dos Cursos Internacionais de Férias Pró-Arte (Teresópolis/RJ), Escola Livre de Música (São Paulo/SP), Schola Cantorum, Seminários Internacionais de Música (Salvador/Bahia), tendo sempre à frente o crivo de ex-alunos e/ou do próprio introdutor dessa segunda fase da modernidade musical brasileira. [10]
Assim como grande parte dos músicos de relêvo no cenário artístico brasileiro, bem como dos grupos corais e/ou instrumentais, espelham em sua formação uma simples influência que seja, quando não uma filiação direta, com a ampla empresa pedagógica instalada pioneiramente por Koellreutter.
A arte musical é o reflexo do essencial na realidade…
Idéias são mais fortes do que preconceitos…
Música é vida…
…música é movimento…
Que Koellreutter receba, desta terra relativamente estranha e de um povo ainda pouco conhecido, parabéns pela efervescência de idéias, multiplicidade de produções, dedicação na formação de jovens e todo o dinamismo que direta e indiretamente insuflou em nossa cultura. Mas, por gentileza, … deixe ainda acessa a chama dessa vela (ao menos até o bolo do ano que vem)!
[1] Os esforços de Scherchen foram consagrados à divulgação e melhor compreensão da música nova – de todas as épocas -, cabendo a ele primeiras audições de obras de jovens compositores modernos, hoje totalmente incorporados à literatura e à história do século XX: Paul Hindemith, Segunda Escola de Viena (Arnold Schoenberg, Alban Berg e Anton Webern), Serge Prokofiev, Igor Stravinsky, Luigi Dallapiccola, Luigi Nono, Hans-Werner Henze, e mesmo Koellreutter, Guerra Peixe, Eunice Katunda, entre tantos outros mais.
[2] Entre tantos documentos atestando a crise, o marasmo do meio musical erudito da época, as colocações de Luciano Gallet em “Reagir” e “A missão dos músicos brasileiros de agora” (Weco II/1-4, Rio de Janeiro, 1930), por exemplo, ilustram isso com força particular.
[3] Professor e musicólogo de muitas atuações, é ele o responsável pela criação do Serviço de Música da UNESCO.
[4] O Banquete de Mario de Andrade é testemunho datado de sua época mas guardará ainda atualidade da situação do ambiente musical das décadas seguintes, nas quais Música Viva e sobretudo Koellreutter marcarão sua presença.
[5] “Sabotado pela crítica reacionária o movimento de música moderna”, entrevista ao jornal O Globo (Rio de Janeiro, 20/12/1944).
[6] Por essa ocasião são membros do Música Viva no Rio de Janeiro, afora os signatários deste documento: Jaioleno dos Santos, Marcos Nissensson, Santino Parpinelli e Loris Pinheiro.
[7] Vale a pena relembrar que é com esse trabalho de divulgação do Música Viva que se amplia o espectro de generos, estilos e épocas representativas da criação musical no modesto e tímido ambiente da época, o que evidentemente suscitou um enriquecimento da definição de música e a expansão de suas possibilidades de concepção, em particular pela jovem geração.
[8] Basta lembrar aqui o contingente de músicos que, ao longo de mais de cinco décadas, saíram de suas classes, dos quais, afora os já citados no transcorrer do texto, pode-se acrescentar resumidamente: Tom Jobim, Marlos Nobre, Diogo Pacheco, Roberto Sion, Paulo Moura, David Machado, Isaac Karabchevski, entre inúmeros outros de geração mais recente, Regina Porto, Chico Mello, Antonio Carlos Cunha, Yara Casnók, Bernadete Zagonel, etc.
[9] In: O Globo, Rio de Janeiro, 20/12/1944, p.13. O final dessa frase é um empréstimo, entre vários outros, que Koellreutter faz dentre suas leituras prediletas do momento. A citação, não indicada aqui, pertence a Stalin, segundo o próprio Koellreutter em outro texto seu O músico e a política, p.1, primeiro parágrafo: “Stalin: Os artistas-criadores são os engenheiros do espírito humano”.
[10] A partir dos quais se originou a Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBa). Para uma apresentação das principais atividades de Koellreutter, ver: KATER, C. “H.J.Koellreutter: música e educação em movimento”, in: Cadernos de Estudo:Educação Musi­cal, nº6. SP/BH: Atravez/EMUFMG/FEA, Fev/1997, pp.06-25.


Artigos, Livros, Palestras e Revistas
PESQUISA, MÚSICAS E MÚSICOS

[in: Música Hoje, Revista de Pesquisa Musical. BH: NAPq & CPMC/UFMG, 1993, pp.01-13.]
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O que tenho o prazer de trazer hoje aqui visa despretenciosamente poder servir de algum amparo para a reflexão constante que esta nossa época tanto solicita a respeito de Pesquisa, Músi­cas e Músicos.
O universo de idéias ao qual temos acesso, com maior ou me­nor dificuldade, é sem dúvida fundamental para que possamos contextualizar nossa proposta de trabalho, inserindo-o como contribuição no domínio das aquisições do pensamento humano.
É justamente a consciência de que o que somos e o que acre­ditamos ser, hoje, resulta de um processo cumulativo de desco­bertas (processo seletivo e de aprimoramento e, em decorrên­cia, sempre desejadamente vivo), processo do qual participa­mos, sem dúvida, como agentes contemporâneos mas também como representantes, como porta-vozes de uma herança mile­nar.
Pesquisar significa assim interagir junto à uma vasta e an­tiga comunidade de pensadores, de maneira a que cada uma de nossas contribuições venha a tornar-se objeto de apreço -de reflexão, crítica, desenvolvimento- por parte do coletivo.
Essa interação no entanto se inicia já dentro de cada um de nós e acaba por envolver determinadas questões sobre as quais gostaria de dedicar nossa atenção hoje.
Isto porque, à par do rigor e da objetividade que cunham as atividades de natureza científica, nem tudo na pesquisa se restringe a questões de Método, Organização e Disciplina.
Gostaria de enfatizar aqui outras questões, que, muito em­bora não sejam específicas à atividade de pesquisa, podem, a meu ver, em muito enriquecer sua prática, a música e os mú­sicos.
Todas elas estão diretamente voltadas à oportuni­dade que a pesquisa oferece para o crescimento do pesquisa­dor, para seu auto-conhecimento, enquanto ser hu­mano.
Caso isto não se verifique, a pesquisa terá sido tomada como um fim em si. E, há algumas décadas já, vêem-se reiterando em muitas áreas o marcado sentido-meio das várias atividades humanas, trampolins em última instância do aper­feiçoamento cada vez mais apurado dos agen­tes indivi­duais.
A questão da originalidade
A originalidade da pesquisa decorre preponde­rantemente de sua ca­pacidade de aportar respostas eficazes às questões vi­vas do seu tempo. Impõe-se nesse sentido como uma das mais saudáveis maneiras de ampliarmos os horizontes do co­nhecimento e da consciência vigentes numa dada sociedade, num determinado momento.
Captar problemáticas já consensuais, apenas balbuciadas ou ainda nem antes vislumbradas e para elas estabelecer alterna­tivas inusitadas de compreensão resulta de uma capa­cidade particular; capacidade ancorada numa condição inte­rior ba­nhada por um espírito livre e pelo pensamento cria­tivo, e legitimamente alimentada pela atenção, observação e acui­dade.
Assim, pesquisar é também uma das melhores formas de apren­dermos a controlar nossa sêde, de acalmarmos e mesmo fixar­mos no ar nossa música interior ou, no caso inverso (ao que parece, preponderante na realidade atual), darmos movimento às nos­sas próprias montanhas.
Também: localizar, reconhecer e agir consciente das próprias ansie­dades significa para o pesquisador interiorizar em con­trapartida problemáticas essenciais indiciadas pela pes­quisa.
Sinteticamente, poderíamos dizer que pesqui­sar de maneira original, significa, num sentido radical -emprestando aqui livremente Guimarães Rosa-, bus­car responder às questões que ninguém até então nunca se perguntou.
“No momento em que o indivíduo se dá conta de sua responsa­bilidade, ele percebe que o mundo em que vive depende de sua vontade. E esse é um momento comovedor e libertador. Co­movedor porque resulta que o que fazemos não é trivial. Li­bertador porque dá sentido ao viver.” [H.Maturana]
A questão do respeito
Não creio que possa afirmar com segurança se o respeito, ao qual farei referência a seguir é causa, conseqüência ou re­flexo de uma situação maior.
O que desejo dizer no entanto é: Quando ob­servamos com al­gum detalhamento determinados traba­lhos de pesquisa em, com ou sobre música, po­de-se notar um forte apego à retórica, ao discurso ou à forma expositiva, muitas vezes em detrimento mutilador da própria subs­tância do assunto abordado, descon­siderando ainda suas im­plicações pertinentes junto ao está­gio de co­nhecimento vi­gente. (Por razões evidentes, não en­trarei no mérito dos trabalhos que nem tal apego retórico possuem !)
O respeito a que me refiro, dirige-se ao objeto, a sua temá­tica, ao assunto estudado e se apoia na existência de com­petência e de ética, por parte do pesquisador. Pressupõe então igualmente uma qualificação humana sensível.
Acredito firmemente na associação da competência técnico-profissional com aquela de predicados humanos. A presença de apenas uma dessas naturezas de competência acaba por desqua­lificar, por assim dizer, a “cidadania” do pesqui­sador na sua profissionalidade ou, o que pode ser ainda pior, na sua humani­dade.
O respeito nesse sentido possui igualmente estreita ligação com a responsabilidade, na medida em que esta tem a ver com o desejo da pessoa do pesquisador (“com o dar-se conta de que as conseqüências de seus atos são desejáveis”) e nessa ótica isenta a pesquisa e a ciência de qualquer forma de comprometimento ou constrangimento.
A questão do tempo e do espaço
Pesquisar é num certo sentido buscar captar de maneira cons­ciente um instante especial por nós estabelecido, instante localizado entre nossa realidade presente e seu fu­turo.
Pesquisar parece implicar assim em delimitar e es­tabelecer fron­teiras. Não é porém atividade car­tográfica razante e mesmo quando mais mapeamos mais ainda deveremos es­tar vigi­lantes para o fato de não nos confundir­mos, ao esta­belecer a con­fusão entre o mapa e seu território. Pela fre­qüência com que notamos isso na vida e na prática da pes­quisa, vale a pena reiterar : o mapa é uma abstração efe­tuada à partir do territó­rio, uma elaboração ou criação co­dificada e exercida desde ele; é uma ferramenta especial­mente produzida da qual nos servimos para ampliar o domínio de nossos conheci­mentos sobre o continente da realidade.
A dimensão sensível e a percepção do mundo e de si, são fa­tores fundamentais para a pesquisa musical, seja enquanto balizas seja enquanto mo­las mestras para seu desenvolvi­mento.
Os pesquisadores musicais -mesmo que tenhamos ainda necessi­dade de saborosas discussões e reflexões para consensuarmos sua definição- são como os cientistas, que ao gerarem um do­mínio especial do conhecimento, tornam-se “pessoas situadas em pontos nodais de muitos momentos do viver humano mo­derno”.
Ao contrário de sacralizar o banal, a pesquisa se oferece ao pesquisador como o espaço-tempo no qual se integra o sentido imediato e o sentido transcendente de seu agir no mundo.
A questão do sensível
Em síntese: se pesquisar é uma forma de apreender o mundo, esta ativi­dade deve possibilitar também conhecermos ainda mais sobre nós mesmos e sobre nossa relação com aquilo que estamos es­tudando no mundo.
Nesse sentido, pesqui­sar instaura-se também como uma pro­posta, que fazemos intimamente, de explorarmos nosso poten­cial de atenção e receptividade. É assim reflexo de uma de­cisão interior, com a finalidade de desenvolvermos por um lado nossa humildade e, por outro e conseqüentemente, a ma­neira de nos relacionarmos com a realidade e o conhecimento que temos dela. E a maneira de fazermos isso é decor­rência de nossa visão de mundo, de nossa percepção.
Uma re­lação qualquer não se modi­fica, não avança qualitati­vamente de um micron que seja, sem a contra-partida de um avanço de nossa sensibili­dade e da intensificação de nossa percepção. Lembrando Leonardo da Vinci, “todo o nosso conhe­cimento tem origem na percepção”.
De fato, é justamente na percepção -em seu sentido largo- que se origina o instru­mento indispen­sável para a transfor­mação do homem e de seu uni­verso.
A percepção que temos de nós próprios, do mundo e suas coi­sas, mostra-se assim o espelho do reconheci­mento e, em espe­cial, do respeito, ao qual me referi acima, respeito que te­mos tanto por nós quanto pelo mundo, por suas coisas e por tudo a que chamamos vida.
Como sabemos “música é movimento, música é vida”. Sem um constante trabalho de nossa acuidade poderemos comprometer seriamente a música estudada, reduzindo-a a um simples ele­mento de fachada ao não constatar, localizar ou descobrir onde está e como se articula a vida nela.
Sem isso, ao invés de outorgarmos estatus de existência à uma dada música -aceitando-a como algo pró­prio e em si-, prestaremos o des-serviço de representá-la desprovida de seus tra­ços mais pecu­liares -i.é., des­provida de si mesma- e assimi­lada, em razão de sua exterioridade, à outra de apa­rência análoga e já reper­toriada no para­digma das experiên­cias do pesquisador. Dessa maneira, nada se constrói, nada se amplia. A realidade po­tencial do objeto tanto quanto o conhecimento sobre ele, o imaginário e os con­ceitos do mú­sico sobre música permanecem estagnados, degeneram-se fran­camente.
Por outro lado, assim agindo, teremos participado e refor­çado uma antiga tradição em nosso meio que vem consistindo a ignorar a pesquisa como um procedimento dinâmico, cuja ori­gem e processo se dá verdadeiramente desde o interior.
Estado de análise, estado de síntese: é com estes dois olhos que o pesquisador deve conhecer, interpretar e, consequente­mente, fazer agir a música em si e no mundo.
Para além da forma-aparente e da beleza-verniz há sempre nas obras artísticas -e nas realizações musicais em particular- uma qualidade vital que conduziu o projeto de sua criação. O pesquisador musical é justamente aquele que, de maneira es­pecífica entre todos os estudiosos, se dedica a conhecer sempre um pouco mais e profundamente, as características e as implicações de tais enigmas.
Os pesquisadores musicais ao se dedicarem então a eles tor­nam-se como os poetas, como aqueles que “em meio a uma infi­nidade de coisas são capa­zes de ver o essencial e chamá-lo pelo nome”.
Assim, a referência que fiz mais acima à “humildade” pode se complementar com uma breve explicação: este sentimento surge naturalmente como um vetor entre duas forças crescentes e proporcionais, onde todo o nosso conhecimento nos coloca cada vez mais próximos e diante de nossa ignorância e inver­samente.
Sobre as Comunicações de Pesquisa
Muitas das vezes em que utilizarmos, nas Comunicações de Pesquisa, o termopesquisar, ele estará significando algo extremamente corriqueiro e usual. No entanto, espero que na to­talidade destas vezes essa mesma expressão estará reco­brindo também o reflexo de um momento particularmente espe­cial, num certo sentido, sagrado. Momento onde estaremos em sintonia com uma qualidade dinâmica de fusão atemporal entre passado e futuro, entre início e fim, entre recuo e proximi­dade conosco e com o objeto pesquisado. Momento enfim de contato com aquilo, com aquela substância considerada essen­cial, ao menos para alguns de nós.
Pois, é disto, é desta substância em suas múltiplas e infi­nitas formas que toda e qualquer verdadeira pesquisa nos conta uma pequena parte da história.
Como uma classe especial de pesquisadores, nós temos a res­ponsabilidade de participarmos da criação dessa história que alguns desde agora e aqueles que virão depois de nós irão contar.
Talvez, em derradeira instância, toda a nossa atividade so­cial como pesquisadores e músicos não tenha outra finalidade do que a de integrar nossas ilhas de expe­riência e conheci­mento individual num dos ar­quipélagos da cultura, que a cada nova incursão se mostra mais fascinante e surpreendente pela amplitude e pela riqueza dos mistérios que abriga.
Que este espaço inaugurado aqui seja também o palco de nos­sas des-cobertas e da história que sobre elas buscaremos contar e escrever.
[Maio de 93]


Artigos, Livros, Palestras e Revistas
EUNICE KATUNDA… HOJE!

[Palestra no Auditório da Escola de Música/UFMG, 3 de Outubro de 2007]
Agradeço o convite para estar aqui hoje, participando deste importante evento organizado por musicistas tão competentes, como o são as professoras Ana Claudia de Assis e Guida Borgoff. E é com grande prazer que retorno a esta escola.
Prometo não fazer uma conferência longa e sobrecarregada de nomes, datas e referências de toda ordem…
Meu objetivo hoje é mais preciso e localizado. Desejo propor algumas reflexões à titulo de introdução desse belo concerto, que será realizado a seguir.
Introduzir sim, mas com uma intenção. Com a intenção de que, ao tomarmos contato com algumas particularidades da trajetória de Eunice Katunda, possamos refletir sobre o paralelo possível com nossas trajetórias atuais, junto à realidade que habitamos.
O titulo que dei esta minha fala é “Eunice Katunda… hoje!”.
……………………………………………………………
Nossa capacidade de entender o que chamamos corriqueiramente de “Movimento Cultural” implica em percebermos justamente as mudanças e mobilidades operadas em nosso tempo.
Um pouco acima, um pouco abaixo do tempo-espaço que habitamos ordinariamente.
Esta é a instância especial que nos permite evidenciar a cultura se movimentando.
É a partir desta percepção que podemos identificar o processo vital que decorre das manifestações criativas e assim estarmos em medida de apreender a força dinâmica da consciência que delas emana.
Sem a percepção desse movimento e a história de seu traço – que seja artístico, cultural, pedagógico ou outro – não há de fato compreensão legítima da música nem tampouco da vida. Simplesmente porque: tanto uma quanto outra não são fatos estanques, ou seqüência de instantes fixos, mas sim, como tão bem sabemos, processos interrelacionais em contínua atualização.
E Eunice Katunda é fruto legítimo de um dos mais importantes movimentos musicais que ocorreram entre nós no sécilo XX : o movimento Música Viva.
Criado no Brasil em 1938, o movimento Música Viva teve suas atividades mais significativas iniciadas concretamente no ano seguinte (1939).
Elas se organizaram em torno de 3 eixos fundamentais:
  • Formação – representada sobretudo por ações educativas de diferentes naturezas (cursos, audições comentadas etc),
  • Criação – composição de obras musicais
  • Divulgação – interpretação de música, publicações, edições, etc
O que verificamos de 1939 a 1952, aproximadamente, é sobretudo a construção de uma escola de pensamento. Uma escola que para sua construção recorreu a várias iniciativas, em boa parte, completamente originais para a época.
E dentre as muitas atividades levadas a cabo podemos mencionar:
  • publicação de boletins (“Boletins Música Viva”, órgão oficial de divulgação do trabalho do grupo),
  • edição de partituras (de jovens compositores da época, mas também de alguns consagrados como Villa-Lobos ou em vias de reconhecimento nacional, como Camargo Guarnieri, etc),
  • realização de programas radiofônicos (com várias séries, contemplando ampla gama de estilos e momentos da história ocidental, da música antiga à música contemporânea),
  • e… apresentações musicais, cursos, conferências, debates, etc etc.
Pela força das idéias e pelo impacto de suas ações este movimento se constituiu na “Segunda Fase da Modernidade Musical” brasileira.
O líder da Música Viva brasileira foi o músico alemão Hans-Joachim Koellreutter, que chegou no Rio de Janeiro em Novembro de 1937 e com quem Eunice começou a ter aulas desde 1946.
Foi no âmbito justamente desse importante movimento que ela se projetou, ao participar de ampla gama de eventos, como pianista e logo em seguida como compositora.
Ao lado de Gení Marcondes – pianista participante da ala paulista (pois o movimento instalou-se inicialmente no Rio de Janeiro e a seguir em São Paulo) –, Eunice mostrou-se a musicista mais atuante na interpretação de obras de compositores brasileiros e estrangeiros, nas emissões radiofônicas do programa “Música Viva“.
Segundo as pesquisas que realizei, este programa foi levado ao ar semanalmente pela “PRA-2 – Rádio Ministério da Educação”, do Rio de Janeiro, de 13/Maio/1944 ao início de 1952.
E o nome de Eunice Katunda esteve sempre lá. Ele figura progressivamente com mais regularidade nas diferentes séries produzidas à partir deste programa, entre elas “Antologia de todos os estilos musicais”, “Obras primas de nossa época”, “Música contemporânea ao alcance de todos”, “Música de nosso Tempo”, entre outras.
Eunice foi também a única mulher a integrar o grupo de compositores Música Viva, ao lado de Cláudio Santoro, César Guerra-Peixe, Edino Krieger e naturalmente Koellreutter.
E é junto com eles (e mais outros músicos) que assina o “Manifesto 1946”, o famoso manifesto “Música Viva” publicado no boletim no12 e lançado logo no inicio de 1947. Assim, ele comemora hoje seus 60 anos de idade (e guarda ainda a meu ver muita atualidade)!
A cantata “Negrinho do Pastoreio”, composta já em 1946 é a primeira obra de Eunice criada sob a orientação de Koellreutter. Ela recebe o prêmio “Música Viva” neste mesmo ano e se tornará desde então uma de suas obras mais conhecidas, no Brasil e no exterior.
Desde esse momento tem inicio um processo de reconhecimento amplo do talento, seja como intérprete, seja enquanto compositora, reconhecimento que podemos observar em diversas noticias e comentários da época.
Destaco aqui o do famoso regente Hermann Scherchen -ex-professor de Koellreutter – e criador da Música Viva na Europa, em 1933.
A iniciativa de Scherchen serviu de referência para a concepção do movimento Música Viva brasileiro, e, embora com características formais distintas, veiculou uma mesma filosofia, compartilhou dos mesmos princípios e ideais.
Scherchen se consagrou por suas famosas interpretações e estréias mundiais de obras de compositores contemporâneos como Schoenberg, Berg, Webern, Werner-Henze e inúmeros outros.
Ele escreve em carta à Eunice Katunda datada de Zurique, 28 de Março de 1949:
Minha querida Amazonas,
Sua carta me deixou muito triste
[ Eunice havia lhe comunicado sua intenção de retornar ao Brasil ].
No entanto, espero que você tenha recebido minha proposta e que decida aceitá-la.
/…/
Eu gostaria muito de reger a peça de Bruno no Congresso dos Dodecafonistas em Milão, no 4 de Maio, tendo você como solista.
[Referência ao famoso compositor italiano, Bruno Maderna]
Mas devo ter notícias imediatamente de Bruno, e suas em relação à minha proposta de que seja solista.
Conto com você para vê-los todos /…/ em Roma.
Muito cordialmente e amicalmente, seu H.Scherchen [assinatura]
[Zurique, 28/03/1949]
Mas Eunice obteve também largo reconhecimento enquanto pessoa artística e intelectual, conhecedora dinâmica da cultura brasileira….
Anos mais tarde, o importante compositor italiano de música nova Luigi Nono – que em seu trabalho compositivo integrou de maneira original, pesquisa estética, serialismo e compromisso político -, faz uma interessante referência ao período em que conviveu com Eunice na Itália. [1]
Devido à importância do comentário, acrescido ainda do fato de ser Katunda a única brasileira mencionada em seu livro Écrits, reproduzo, traduzindo com certa liberdade, 2 de seus trechos:
“Em 1948, enquanto Scherchen dava seu curso de direção de orquestra, chegou à Veneza um grupo de brasileiros provenientes de uma escola que tinha sido fundada e dirigida no Brasil por Koellreutter /…/ Entre eles, havia uma pianista-compositora de grande talento, que se chamava Eunice Catunda. Ela era metade índia de Mato Grosso e Scherchen favoreceu uma espécie de amizade entre ela, Bruno Maderna e eu. /…/ Com Catunda, havia então uma profunda identidade de visão e através dela tivemos as primeiras informações sobre os ritmos de Mato Grosso, antecipando, num certo sentido, a lição que nos viria de Varèse. [2]
Nono faz referência aqui a Edgar Varèse, um dos compositores mais revolucionários da primeira metade do séc.XX, que influenciou fortemente a produção musical européia e dos Estados Unidos.
“/…/ Assim nasceu o primeiro epitáfio [sua peça “Epitáfio a Frederico Garcia Loca”] e é singular que essa obra, assim como “Polifonica-Monodica-Ritmica” [outra composição de Nono], seja baseada num canto brasileiro. Desse último trabalho, todos diziam que se baseava em Webern.
E Anton Webern, foi, como sabemos, o compositor dodecafonico mais original da “Segunda Escola de Viena”, inaugurador da linguagem serial que determinou a produção moderna desde os anos 50.
E Nono retoma ….
“Mas este trabalho em realidade se baseou num Canto de Iemanjá (a deusa do mar), que nos foi ensinado justamente por Eunice.” [3]
[Écrits, pp.53-54]
Vemos assim que as menções feitas a ela, seus talentos e qualidades são muitas e projetam-se continuadamente ao longo das décadas seguintes.
No entanto, … o que eu gostaria de abordar aqui nesse momento não é exatamente a trajetória de Eunice Katunda, sua historia e seu passado (Momento em que viveu e que deliberadamente ajudou a construir) … Mas sim o que pode haver de presente nela para nós hoje ! [4]
E considero que, mesmo de maneira sutil, seja possível perceber, em parte de nossas inquietações conceituais contemporâneas, a sua brisa, assim como em realizações musicais atuais, os fundamentos dessa história que herdamos.
Apesar disso, entretanto, pouco ainda tentamos decifrá-la e assim se instalam algumas dificuldades para a compreensão do que nela seja legitimo incluir e o que mereça ser transcendido, para que no âmbito da história da cultura e da música se possa ir um pouco mais além.
Vou tentar me explicar um pouco melhor e recorrerei para isto, a um único ponto, a um dos que considero mais essencial.
………………
Entre as diversas influências recebidas por Eunice Katunda – tanto no plano estético, quanto no ideológico – duas a meu ver foram decisivas e determinantes: a de Mário de Andrade e a de Hans-Joachim Koellreutter.
Quase lideranças espirituais, estas influências se fizeram, entretanto em contraponto intenso, com alguma alternância ao longo da fase artística mais consolidada e da fase criativa mais fecunda de sua produção, … isto é de 1945 a 1975 (aproximadamente).
E Eunice, distinguida por um reconhecimento impar no meio artístico-musical contemporâneo, seduz e é seduzida pelas duas tendências artísticas mais representativas da época:
Aquela representada pelo “Nacionalismo”, reivindicando a pesquisa estética a partir da Tradição da Cultura Brasileira e liderada justamente por Mario de Andrade; e …
A outra, ilustrada pela “Música de Invenção”, inaugurando novas experimentações da linguagem musical e encabeçada por Koellreutter.
Ambos insistiam sobre a necessidade urgente de um novo entendimento da música brasileira e, em conseqüência, de uma modificação radical de postura do músico contemporâneo.
Um novo momento se rapidamente se criava e tomava forma e a necessidade de visões de mundo e de atuação mais pertinentes se impunha.
O lema de Mario prontamente incorporado no discurso de Koellreutter era “Somos os primitivos de uma nova era.”
Para Mario…
1. A Criação musical deveria ser livre e original… mas em sintonia com a idéia de “Nação”. Portanto, uma música com personalidade genuinamente brasileira.
Koellreutter, por sua vez…
1. Endossava a idéia de uma Criação musical livre e brasileira, mas… alinhada com as novas tendências mundiais. Portanto, com personalidade contemporaneamente original.
Mario…
2. reivindicava uma Música enquanto fenômeno da Cultura, que com Expressão própria (local e regional) se baseasse nas Riquezas da Tradição Popular, de todos os tempos (presente e passado)
O líder da Música Viva…
2. reclamava uma Música enquanto Linguagem – a “Música pela Música”, criação baseada nas Conquistas da Tradição Internacional, na Música Nova de todas as épocas
Para os nacionalistas
3. O Musico brasileiro era a representação do Povo e sua música a Expressão legitima dessa terra, desse pais … decorrendo daí uma arte com “Sensibilidade própria e autêntica”
Para os universalistas
3. O Musico contemporâneo era a “antena da Raça” (da cultura e da civilização), sua música a Expressão viva de sua época, de um novo estado de inteligência e de consciência … decorrendo daí uma arte com “Modernidade internacional e atual”.
Para uns …
4. “Música Moderna mas Nossa”
Para outros …
4. “Música Nossa mas Moderna”
Estas concepções de música e de músico no Brasil da época expressaram pólos de importância particulares. Segundo a visão nacionalista de Mario a referência central era a “Terra” e as características de uma cultura própria habitando seu Espaço especifico. Para Koellreutter, o pólo de referência era o “Tempo”, as características do estagio de conhecimento daquele momento. Espaço e Tempo, eixos fundamentais distintos, ate este momento ainda não compreendidos como complementares porém … sempre referenciados no Presente…. Contemporâneos.
Até aqui podemos encontrar complementaridade, possibilidade de convergência.
No entanto estas interpretações se apoiaram, com a coerência possível, em linhas e recortes, em delimitações de um campo de funções e de uma situação de realidade, alimentadas fortemente pelas correntes ideológicas vigentes.
……
Mas, se traçados e cartografia são importantes para a nossa compreensão do mundo, o território de significados e de conteúdos que lhes serve de base é porem essencial.
Quero dizer que, se aqui nesse espaço momentaneamente único da sala traçarmos uma linha vertical [ traçar linha com a mão no espaço da sala ], passaremos então a partir dela a considerar duas classes, por exemplo o nicho que se encontra a direita dessa linha e o que se encontra a sua esquerda, assim como a classe de pessoas do lado de cá e as do lado de lá.
Criamos assim nessa referência estabelecida do exterior um nível de diferenciação sobre um campo de realidade amplo, complexo e profundo, onde inúmeras outras particularidades existem e podem ou não serem levadas em conta.
Há uma razão de ser e uma funcionalidade no campo de conteúdos e significados que é anterior ao mapa traçado, há algo mais profundo que não deve se perder, substituir ou confundir, mas sempre que necessário ser posto em evidência.
A divisão entre “Música Nacional” e “Música Universal” e especialmente entre “Músicos Progressistas” e “Músicos Reacionários” (na abordagem política que revestiu suas concepções originais), acabou por se tornar um traçado que desuniu o território. Território que vinha se construindo de maneira gradual, graças às iniciativas empreendedoras do movimento “Música Viva”, das descobertas nacionalistas e ao trabalho de experimentação e de síntese de linguagem conduzidos por compositores como Guerra Peixe e Luiz Cosme, por exemplo.
As divergências progressivamente acentuadas entre estas 2 tendências de postura e de pensamento acabaram por provocar forte ruptura no ambiente brasileiro artístico e musical dos anos 50. Geraram a implosão do Grupo de Compositores “Música Viva”, bem como a posterior dissolução do Movimento MV tanto no Rio quanto em São Paulo.
O elemento deflagrador desse processo foi a “Carta Aberta aos Músicos e Críticos de Musica do Brasil”, do compositor Camargo Guarnieri, pretendido sucessor de Villa-Lobos, que, divulgada em Novembro de 1950, constituiu-se na maior polêmica jamais presenciada no meio musical brasileiro.
Eunice Katunda, que até então se filiava as idéias de uma estética musical nova e experimental, sustentada pelo “Música Viva” (na figura de seu líder Koellreutter), migrará para um Nacionalismo musical marcadamente politizado.
Essa mudança radical de posição é expressa por ela em correspondência dirigida ao próprio Guarnieri, em 20 de Novembro desse mesmo ano (1950), cujo trecho final cito rapidamente aqui:
“… me ligo de novo ao nosso povo, a nossa musica; participo agora de maneira mais intensa e decisiva de seus problemas e de suas lutas. E é agora, cheia dessa sensação de estar finalmente voltando a vida real, que me dirijo a V. para lhe dizer que tem razão, que condeno tudo o que V. condena na “Carta Aberta aos músicos”. /… (ela oferece a Camargo a possibilidade de utilizar sua carta como bem desejar, sugerindo mesmo que a publique) …/ “Expresso aqui minha solidariedade como também a de outros colegas, que estão dispostos a prosseguir nessa campanha de esclarecimento de nossa juventude, contra os perigos das falsas atitudes estéticas que geralmente servem de meio para solapar as bases filosóficas, para desviar a atenção dos verdadeiros problemas que a mocidade deve encarar, analisar e resolver.”
[CK. EK, musicista brasileira, p.143]
Temos o entendimento já desta polêmica e do processo histórico de rupturas que causou naquele instante no meio musical brasileiro, bem como suas conseqüências nas décadas seguintes.
(em especial carioca e paulista), subsidiado por informações do momento e do contexto histórico-político.
Mas para pensarmos “Eunice Katunda Hoje!”, gostaria de propor que experimentássemos com esse recuo atual uma interpretação um pouco mais diferenciada.
Isto porque conforme a visão da própria Eunice – expressa anos mais tarde (1985) – notamos que uma parte fundamental dessa problemática não chegou a ser satisfatoriamente tratada, conduzida e muito menos compreendida.
Ouvindo seu depoimento sobre o líder da Música Viva no Brasil…
“A Koellreutter devo principalmente a fase mais produtiva de minha vida musical. Fase em que houve uma coletividade, pois estávamos sempre juntos, participando de tudo, música, discussões. Quem proporcionou tudo isso foi Koellreutter. Foi o único. Quando se falar em escola brasileira aqui é Koellreutter. Não teve outro. Olha aí, Mignone fez escola? Não, não fez. Camargo Guarnieri? O único que fez escola mesmo, assim de fazer todo mundo participar e ter cantores, flautistas, pianistas, todos juntos, estudando, o único foi Koellreutter.”
[Entrevista para o autor, 1985. Grifos meus]
E sobre o Papa do Modernismo brasileiro…
“Mario de Andrade foi a personalidade mais importante de nossa geração. Eu o descobri através de Guerra-Peixe, e desde então seu Ensaio sobre a Música Brasileira (de 28) passou a ser meu livro de cabeceira, a minha Bíblia. Ele era brilhante, intelectual, poeta, uma pessoa completamente compromissada com o seu pais, com a sua cultura … e com a música!! Ele era a referência que guiava muitos dos compositores da época, fazendo a critica da música de Villa-Lobos e da contemporaneidade, ditando as bases da música brasileira que se esperava de todos nós.
[Entrevista para o autor, 1985]
……………
De maneira sintética, podemos considerar que o dilaceramento de muitos músicos do período, dos quais Eunice fez-se porta-voz, deu-se pela dificuldade de percepção do potencial de complementaridade e de integração de princípios na aparência opostos, bem como na hesitação em se dedicarem mais criativamente à conjugação da “Música Exterior” com a “Música Interior”.
No entanto, apesar das diferenças de visão de mundo representadas por essas duas tendências, tanto Mario quanto Koellreutter estavam igualmente convencidos do papel decisivo da música na transformação da realidade de seu tempo. Papel decisivo do musico na construção de uma nova condição humana, através de uma música daqui, nossa e nova, criada em sintonia com aquele tempo-espaço presente.
“Os artistas-criadores são os arquitetos do espírito humano.”
Essa frase parece poder contemplar a convergência de pensamento de ambos os lideres, para os quais o musico, o interprete e o compositor – na condição verdadeiramente criativa, e apenas nela! – representavam o elemento fundamental da tão necessária produção de movimento, a nível da cultura e da sociedade, da tão esperada transformação da realidade.
Movimento capaz de construir modernidade e atualização por meio de uma Arte e de uma Música liberta das modas estrangeiras, passageiras, dos clichês e do academicismo.
Só assim se poderia quem sabe modificar hábitos e comportamentos que há muito se mostravam ineficazes, retrógrados e anacrônicos no ambiente artístico e educacional e que tanto Mario quanto Koellreutter em diferentes momentos fizeram a critica severa.
É altamente significativo observarmos que o musico alemão Koellreutter reverenciará e se associará as reivindicações do poeta brasileiro Mario, re-editando nos últimos Boletins “Música Viva” longos trechos de seu famoso “Banquete”. Trechos nos quais se concentram justamente as denuncias de letargia do ambiente musical da época, a critica rigorosa e perspicaz de sonambulismo por parte dos principais agentes do meio artístico e as reflexões estéticas, das quais ele – Mario de Andrade – foi o inaugurador pioneiro entre nos.
Reflexões estéticas que Koellreutter a seguir tão insistentemente deu continuidade e que se tornaram uma de suas maiores características ao longo de toda a vida.
E estes foram também importantes pontos de identidade entre estas duas fases da Modernidade Musical no Brasil.
……………
Mas como havia dito, para pensarmos “Eunice Katunda Hoje!”, seria interessante experimentarmos uma interpretação diferenciada …
…………….
O fundamento de todos os processos evolutivos e de desenvolvimento (a nível físico, biológico, sócio-cultural, espiritual ou outro…) encontra-se exposto em diversos postulados, dos quais 2 parecem-me especialmente pertinentes aqui : Transcendência & Inclusão; e… Totalidade & Parcialidade.
As iniciativas levadas a cabo em nome de altos ideais mas que não se articulam criativamente num nível superior e, ao invés da inclusão, promovem a exclusão foram e são, no meio artístico, animadas pela vaidade e outras disfunções do ego.
Da mesma maneira, gerou confusão de propósitos a não compreensão de que – individuo, musico ou artista – representa simultaneamente Totalidade e Parcialidade. Totalidade que se re-compõe a um nível superior em outras Totalidades maiores e mais complexas, nas quais se tornam assim Parte. Uma, apenas uma entre as várias partes integrantes de um Todo.
……………..
A limitação de percepção, onde Meta se restringe a Objetivos efêmeros e transitórios e Essência se confunde com uma Superfície de interpretação, gerou e gerará sempre confrontos, combates e rupturas.
E, como todos sabemos, na criação e na arte não há nunca vencedores embora, quase sempre em diferentes circunstâncias, o Conhecimento e a Cultura tornem-se verdadeiros Perdedores.
Terminaria então essa minha fala, com uma citação de Mario de Andrade, retirada de sua palestra sobre o “Modernismo”, uma das últimas por ele proferida…
Que nós modernistas não sejamos exemplo para ninguém, mas que possamos sim servir de lição!
A meu ver, a lição de Eunice Katunda para nós hoje se encontra, em sua postura dedicada, competente e completamente investida das questões centrais de seu momento. Inteiramente convencida de que a música desempenha – e pode vir a desempenhar cada vez mais – uma função primordial para a vida… para a sua e para a de todas as pessoas.
E uma citação de Koellreutter, emprestada do “Manifesto 1946” …
Música é vida, música é movimento !“
Trazer da vida justamente o movimento fundamental para a música e para a cultura. Propiciar que todos, que todas as pessoas avancem as suas fronteiras, participando solidariamente do patrimônio musical e cultural constituído. Possibilitar igualmente a apropriação do que há de mais rico e atual nas criações contemporâneas, enquanto invenção, descoberta, sensibilidade, pensamento. Desta forma, a música pode cumprir o “Principio de Utilidade” marioandradiano, desempenhando seu papel de integração social, propiciando aos indivíduos mergulharem nas problemáticas de seu tempo, o “Tempo Presente”, e condições assim de melhor participarem da vida em sociedade.
Diferentemente de muitos artistas de seu tempo, Eunice considerou a música como fator de crescimento, integração, socialização. E acreditou sinceramente em seu poder de aprimoramento social e humano.
Nesse sentido, talvez a parte mais substantiva de nossa contribuição própria e pessoal, hoje, como profissionais da música e da educação, resida também na compreensão de que na música há algo alem da superfície dos sons. Há “algo mais” essencial a ser tratado …
“Algo a mais” … do que o prazer de compor…
“Algo a mais” … do que o prazer de interpretar…
“Algo a mais” … do que o prazer de fruir música !
Trata-se -essencialmente- de querermos escutar um pouco mais longe, um pouco mais perto…
Hoje!
………………….
Questão: Como concebemos – enquanto professores, músicos e artistas brasileiros – nosso papel e função na sociedade de hoje? De que maneira – enquanto professores, músicos e artistas brasileiros – estamos conjugando “Tradição” e “Inovação”, e assim contribuindo atualmente para a transformação positiva dos espaços que habitamos?
[1] Referência feita em meio à uma coletânea de depoimentos reunidos no livro Écrits, textos reunidos e apresentados por L.Feneyrou, publicado na Coleção Musique / Passé / Présent.
[2] Écrits, pp.53-55.
[3] Conforme Nono afirma mais adiante, p.54, o Epitáfio a Frederico Garcia Lorca, deriva do material do canto de Iemanjá, ao qual ele acrescentou na segunda parte o ritmo e os sons do hino Bandeira Vermelha. Já em Polifonica-Monodica-Ritmica ele utilizou as dimensões rítmica e intervalar da melodia desse mesmo canto.
[4] Estudei e comentei muito já sobre Eunice Katunda. Penso que muitos de vocês conheçam já parte dos produtos que resultaram de vários anos de trabalho. Pesquisa, levantamento, organização e microfilmagem de programas de concerto, roteiros de aula, correspondências, composições, manuscritos de obras, textos escritos e esboços de textos jamais publicados, etc. Esses diferentes materiais, seu Catalogo de Obras e estudo, reuni no livro “Eunice Katunda, musicista brasileira”, publicado em 2001.


Artigos, Livros, Palestras e Revistas
A MÚSICA PELA RAÍZ

[in: ART, revista da Escola de Música da UFBa, nº19. Salvador: UFBa/CNPq, 1992, pp.65-69.]

Esse tema poderia ser evidentemente abordado de várias maneiras. Porém, a ótica que adotei aqui, tecendo considerações sobre o papel educativo do criador na contemporaneidade – sempre tendo em vista o exercício coletivo da criação musical -, é, a meu ver, uma das mais importantes. O que se segue é produto de reflexões decorrentes de várias oficinas de criação musical e criatividade que realizei em meio a um número considerável de admiráveis indivíduos. A eles portanto dedico essas poucas páginas.
Sobre fronteiras
Se durante muito tempo a música pôde ser encaixada em catego­rias, desde a década de 60 em especial – com as vanguardas acentuando a problemática da delimitação de fronteiras artís­ticas e conceituais – isso vem adquirindo cada vez menos perti­nência.
Na música, de maneira mais intensa, deparamo-nos com as formas híbridas, meios mistos, com obras entre categorias.
A predominância alternada entre livre expressão e rigor formal (formas extemporâneas/construções estritas), que sob inúmeros rótulos há muito acompanha essa arte, cede lugar a uma questão de maior espectro.
Os princípios formais básicos -alicerces seculares da lingua­gem musical-, bem como muitos dos conceitos fundados nos pa­râmetros considerados característicos da música, foram, em muitas tendências, deslocados de plano.
Em seu lugar temos tateamentos múltiplos, pesquisas, explo­rações extensos ao universo conceitual e expressivo. Pontos de contato entre variadas zonas, onde a dimensão musical, tal como usualmente concebida, constitui-se numa apenas.
Na verdade estamos diante de manifestações situadas em regiões pouco delimitadas, interrelacionadas ou inusitadas, apenas perceptíveis fundamentalmente em razão de uma necessidade.
De maneira mais ampla, equivale dizer que, uma proposta gerada nesse sentido tornar-se-á “música” no momento e na medida em que ela se instaurar como uma realidade necessária aos “ouvi­dos”.
Se nesse momento em que noções como arte, obra, criação e tan­tas outras podem ser colocadas em cheque, em discussão, como poderíamos man­ter a convicção diante das funções já clássicamente definidas de “compositor”, “música”, “obra”, “professor” ?
Vários dos suportes sobre os quais suas definições respalda­vam, por força das muitas e intensas transformações de nossa realidade, transfi­guraram-se por conseqüência.
Temos músicas que não mais se propõem como “Arte”. Antes de “obras” são peças, ensaios, criações, propostas inventivas de largo espectro en­fim. Músicas em geral resultantes não de organizações determi­nando passo a passo cada um dos aspectos do som, das menores às maiores unidades, mas sim processos diretivos ou não (anti-teleológicos, im­provisatórios, aleatórios, incidentais), nos quais se re-situa uma intenção original. Ocorrências intencionais portanto que, ao invés de se refletirem exclusivamente via matéria sonora, podem ainda, conforme sua concepção, objetivar mesmo uma leitura si­lenciosa, a visualização, a representação. São ilustrações vi­vas das infinitas possibilidades do novo, quando o criador legitimamente se liberta da tradição de um uso determinado.
Assim como para a arte, as definições relativas à música, seus aspectos e particularidades, se mostram forçosamente vagas, i-nadequadas ou incompletas quando pretendem abranger e dar cabo das variadas representações próprias de um processo atual e dinâmico, que na essência é autêntico, efervescente, inovador.
E aqui nos encontramos diante de uma questão fundamental para muitos artistas, estudiosos e amadores de arte: ou nos encami­nhamos à ampliação das fronteiras dos fatos de natureza cria­tiva por circunstância de uma intenção legítima ou seremos le­vados a limitar os fatos criativos de forma a acomodá-los den­tro de definições e conceituações tardívagas.
Evidentemente não há aqui radicalismo que signifique crítica ao desempenho funcional dos profissionais da música, nem tam­pouco abandono ou negação apriorística das conquistas musicais já consagradas pela história. São, com certeza, todos esses profissionais e todas essas conquistas que asseguram a conti­nuidade do longo caminho que estamos percorrendo, desde o pri­meiro que teve o desejo de se expressar pelos sons até to­dos os inventores da atualidade.
O único radicalismo que, de fato, pode haver aqui é o de tomar a própria música pela raíz, procurando recuperar, senão esta­belecer, para essa arte as condições propiciadoras da intenção e expressão criativas que ela sempre buscou.
Do potencial educativo do criador e da criação musical
Característica também de nossa contemporaneidade é a presença simultânea – ainda incipientemente interativa – de múltiplas formas de pensamento, de representação, de atuação.
Momento de intensas transformações da sociedade alimentadas pela aceleração, em especial, das informações e do conheci­mento (aceleração que, sem dúvida, causaria espanto ao melhor Marinetti), a re-definição de papéis, valores e desempenho se impõe necessariamente.
Se ao longo dos tempos o ensino da música e da criação musical se caracterizou pela transmissão de dados técnicos e foi dirigido a interessados em atuarem profissionalmente na área, o que verificamos hoje -em particular nos grandes centros do país- é bastante diverso. Um contingente consideravelmente nu­meroso de indivíduos interessa-se pela música, pelos segredos de sua criação e expressão, indivíduos porém profundamente de­sejosos em desenvolverem sua própria musicalidade, em geral, num fazer coletivo.
Embora alguns desses legítimos amadores musicais freqüentem salas de ensino formal, em sua grande maioria entretanto eles são, em alguns casos, profissionais de outras áreas do conhe­cimento -sem absolutamente nenhuma pretensão profissional es­pecífica em relação à música-, em outros, músicos auto-dida­tas, voltados à música de consumo ou com aspirações amplas ao ponto de não restringirem-se ainda a um dado gênero ou estilo musical.
Para parte significativa de todas essas pessoas -e para uma classe talvez particular de criadores musicais-, a concepção que se faz de música permite situá-la ainda sobre fronteiras e assim ser tomada pela raíz. Daí justamente o desejo de lidar com a musicalidade e suas múltiplas expressões, com a criação em seu sentido mais radical, se oferecer como oportunidade, não apenas para o trato do que se considera momentaneamente “realidade musical”, mas também -e num grau de importância compatível- para a apreensão de verdades.
Verdades certamente relativas ao país, à classe musical, ao conjunto da sociedade, ao mundo, mas também à cada indivíduo que experimenta um momento de criação; verdades essencialmente estéticas. Entretanto, verdades sobretudo instauradoras, pe­los enigmas característicos da arte, de outras possibilidades de compreensão e de consciência.
Isto porque o mundo imaginário, que se expressa, mesmo em ma­neiras diversas, nas criações atuais, serve ainda para fazer reverberar histórias maiores.
Criação, alargamento e transformação de fronteiras, contato com formas internas e externas de infinito: estes são fatores que estão na base da geração de radiância. E, para se atingir esse estado, embora de maneiras características, a arte, a mú­sica, é, como todos sabemos, entre os caminhos possíveis, um dos mais favoráveis.
O que se coloca então como desafio para o criador-educador é a re-invenção de um ritual contemporâneo para a criação musical. Nesse sentido, não se pode perder de vista que entre as funções do rito está a iniciação, a transformação, o lançar os indivíduos para fora da esfera do cotidiano, possibilitando também o cumprimento de um mito.
Ora, a massificação cultural imposta pela sociedade de consumo faz com que os criadores – potenciais inventores também de histórias maiores – ignorem ou abdiquem dessa sua responsabili­dade.
Nessa lacuna, nesse espaço desocupado, muitos individuos in­ventam por conta e risco seus próprios rituais, ou simples­mente seguem uma iniciação imposta, na maioria dos casos não transcendendo os fatos em sua mais estreita significação coti­diana e, por conseqüência, não experimentam nenhuma transfor­mação de ótica, de postura, de desempenho, de atuação.
Nessa nossa época, onde “os rituais que antes diziam respeito a uma realidade interior não passam de formalidade”, muitos dos aspectos da criação e da participação social “se tornaram obsoletos para muitas pessoas, pois os respectivos rituais não se mantiveram vivos”, não se transformaram satisfatoriamente em função das circunstâncias (a exemplo do que ocorre nas culturas ditas primitivas ou elementares). Fazemos parte e tendemos a reforçar uma tradição que muito limitadamente reage ao meio ambiente e assim com grande dificuldade assimila, in­terage diante das características da cultura moderna, das pos­sibilidades de novos caminhos e mesmo de uma nova visão do universo. Como afirma Campbell, “o mito deve ser mantido vivo. As pessoas capazes de o fazer são os artistas, de um tipo ou de outro. A função do artista é a mitologização do meio am­biente e do mundo“. “O artista de hoje é a contraparte dos fa­zedores de mitos dos tempos primitivos” (O poder do mito. SP: Palas Athena, 1990).
Nesse sentido, o criador passa a ser encarado como o intér­prete das músicas inaudíveis, de certa forma, intérprete da herança da vida mitológica. E a experiência mitológica con­siste em se ter consciência de um ponto central (no mundo), onde repouso (eternidade) e movimento (tempo) se fundem. Ma­neira transcendente de vivenciar os fatos, onde contatamos o aspecto eterno daquilo que reali­zamos no plano temporal.
Os criadores sendo considerados pessoas particularmente bem dotadas a eles compete também educar os ouvidos sensíveis não apenas para uma ou outra arte de conjugar sons mas ainda para as músicas pessoais, sociais, para a música do universo.
Em outras palavras
Parte significativa dos “métodos” e estratégias utilizados por criadores no trabalho educativo se tornaram técnicos e ultra-especializados; tradicionalizaram-se, num determinado prisma, enfileirando-se no palco a-histórico de nossa atualidade.
Por outro lado, algumas das criações contemporâneas ao não atualizarem sistematica e satisfatoriamente sua forma de es­paço sócio-cultural, ao não darem desenvolvimento de sua his­tória vivencial, relegaram a manutenção de um ritual vivo e próprio, dessacralizando-se.
Tal como se apresenta normalmente hoje, não apenas enfrenta grandes dificuldades em seu processo de fruição mas, em espe­cial, tende a plainar ao lado dos interesses e estilos de vida de um novo público -de uma nova classe de indivíduos (em espe­cial, prossumidores, conforme os nomeia A.Toffler)-, confi­nando-se na representação de si mesma.
Representação, interação, catarse são expressões que nos levam ao oposto da significação usual de dilentantismo, da simples e mera “apreciação”.
Nessa planície relativamente deserta predomina o reinado da música comercial que opera – embora com grande competência em muitos casos – na superfície do potencial musical. Há um consumo superficial e pela superfície da própria música. Nenhum rigor e nenhuma forma de compromisso transita desde sua raiz ou até ela. A criação musical tende a ser vista não mais como fato gerador de experiências e vivências significativas, mas apenas em termos de seus modelos, padrões, automatismos, clichês.
Através da atividade do criador musical – fundamentalmente inventiva e necessariamente formativa -, o nosso “Hoje” -integrador de passados reconhecidos e futuros prová­veis- se presta como um momento extremamente propiciador para a música de rever suas funções e expandir seus limites, si­tuando-se sobre muitas das fronteiras vigentes, extendendo raí­zes de forma a resgatar sua própria e mais legítima essencia­lidade.
A prática criativa – individual e/ou coletiva – exercida com base em processos e recursos de experimentação múltipla, orientada porém ao resgate e re-in­venção de dimensões arquétipicas (da memória e do ritual), pode se propor como uma das formas atuais de reconquista de uma sensibilidade e de uma consciência amplas -estética, individual e social-, progressi­vamente esvaziadas em nossa sociedade. Pela criação autêntica há transcedência e esse momento carece, necessita dela, como poucos em toda a história.
Presente múltiplo onde o tudo fazer é possivel, mas onde tam­bém se corre o risco do nada projetar, cada vez mais soberano, seu vazio sobre a intenção e a interioridade; sobre a capacidade de gerar respostas genuínas, que habitualmente chamamos “responsabilidade”.
Para que a criação musical se desvele em plenitude, precisamos hoje não de compositores, intérpretes, professores, técnicos em música, dedicados a um metier específico de valo­rizar a organização de sons desta ou daquela entre as mil e uma ma­neiras que nos apropriamos historicamente. Mais, bem mais, do que “divulgadores sócio-musicais”, necessitamos de “criadores – educadores” que trabalhem no sentido de valorar a criação, e que através dela revitalizem a música, exercendo sobre os individuos uma in­fluência vitalizadora. Que saibam fazer operar a sensibili­dade, a inteligência e a consciência dos indivíduos diante de si, da sociedade, desse nosso momento enfim.
O compositor-criador participa assim daquela imagem de indivíduo que funde profundezas e levita­res. Diante de si é plural e na pluralidade particular. Mágico manipulador de energias, ele propõe modos de percepção e faz deslocar “pontos de atenção” (aglutinação), interagindo, às vezes consciente às vezes incons­cientemente, junto à uma tradição de poderes ancestrais e milenares.
Toda música só é válida se estiver viva. E para tanto, não se trata de buscar ou mudar métodos, estratégias, gêneros, estilos ou fi­liação estética. Trata-se sim de trazer vida à música. E a única maneira de fazer isto é descobrir em nós mesmosonde está a vida e as formas de relação sonoro-musical que estabelecemos entre ela e o mundo ao qual pertencemos.
Não se pode garantir que com isso (e um pouco mais, ou menos) a música seja funcional mas, a meu ver, a criação musical com certeza funcionará, desempenhando um papel fundamental na existência de muitos indivíduos e, quem sabe, conferindo à so­ciedade um desenvolvimento mais verdadeiro, orgânico, cons­ciente e saudável.
Em outras palavras, toda música só é válida se estiver viva. E para tanto, trata-se de descobrir, em nós mesmos, onde está a vida e a conexão criativa que estabelecemos entre ela e o mundo ao qual pertencemos.
Carlos Kater (Ago91, rev.Set98)
Depoimentos de alunos de 6 a 8 anos, da escola pública do Estado de Minas Gerais:
  1. “A música é importante para desenvolver a mente, é bom para a saúde, para ser alguma coisa na vida, para se divertir.”
  2. “A música é importante para aprender a raciocinar muitas coisas e a gente pode passar para outras pessoas. Até que elas aprendam para passar para outras, outras e outras…“
Artigos, Livros, Palestras e Revistas
MÚSICA, EDUCAÇÃO MUSICAL, AMÉRICA LATINA E CONTEMPORANEIDADE: (UM)A QUESTÃO…

[in: Anais do VI Encontro Nacional da ANPPOM. RJ, 02-06/Ago/1993, pp.97-104.]

I. Um pouco da história
Desde as primeiras décadas desse século, notadamente, vimos sendo absorvidos por um conjunto de interrogações referentes à problemática da Música, da Educação Musical e de suas res­pectivas situações na América Latina; aspectos relativos à sua gênese, tipologia, tendências, representatividades, pe­netração social, concepção, ideologia, etc..
As discussões mais calorosas e envolventes entretanto dirigiram-se a es­tratégias que colocaram muitos artistas em processo de busca de uma identidade coletiva própria.
Os esforços assentaram-se assim no descobrimento – senão pro­priamente na “criação” – das nacionalidades tendo por base no entanto algumas das tipicidades regio­nais, do ponto de vista cultural.
No Brasil, esse processo se desencadeou no bojo do movimento moder­nista, inaugurado de forma simbólica pela Semana de 22, realizada signi­ficativamente durante as comemorações dos 100 anos de In­dependência do país.
Tornar-se independente de Portugal, significou des-vestir os vários segmentos da população nativa do jugo europeu, liber­tar a língua aqui praticada da instituição gramatical douto­resca, o dar-se a si selvagem do dar-se a ti jesuíto… Em síntese, implicou em despojar-se das influências estrangei­ras e academi­cistas alheias ao povo e à raça. Com isso vi­sou-se re-con­quistar – ou inventar novamente – ca­racterísticas culturais e étnicas próprias, necessárias ao estabe­lecimento de algo genuíno: um modo de ser autêntico, capaz de instau­rar uma “personalidade” e uma “psicologia” nacionais.
Vale a pena lembrar aqui que Mário de Andrade – o incansável em­preendedor do caráter nacional brasileiro – escrevia em 1928 seu Ensaio so­bre a Música Brasileira – no qual estabeleceu as dire­trizes do pro­cesso de desenvolvi­mento do composi­tor nacional -, e concebia, ao mesmo tempo também, sua rap­sódia do “herói sem nenhum caráter”, o brasileiro Macunaíma.
Nesse processo, verdadeiramente revolucionário do ponto de vista artístico-cultural, a confluên­cia das torrentes polí­tica e esté­tica foi tamanha e tão sin­tonizada que estes dois enfoques acabaram por se ver confun­didos e muitas vezes tra­tados restritivamente, como se na realidade um só fossem.
“O que é novo é nosso, o que é nosso é novo“.
Numa fase inicial do movimento modernista, a vi­gência de le­mas dessa natureza conciliou momentaneamente representações bastante distintas, como musicólo­gos/folcloristas, intérpre­tes/educadores e composi­tores/intelectuais. Serviu também para definir senão de fato legitimar um sentido social e um status cultu­ral atuali­zados para setores da burguesia, na época planando em meio à reviravolta de valôres provocada pela grande onda da mo­dernidade.
Nesse primeiro momento o modernismo foi revolucionário e produtivo. Instalou dinâmica e riqueza jamais vistas até então na construção do edifício cultural.
Logo em seguida às manifestações mais perturbadoras e caracte­rísticas da nova realidade porém, dois significativos veios se destacaram, distinguindo os constru­tores do pre­sente sobre o pas­sado imediato (folcloristas e compositores de tendência “na­cionalista”) e os construtores do futuro so­bre o presente e o passado remoto (intelectuais e artistas ali­nhados com as ultra-vanguardas e compositores de tendên­cia dita “univer­sal”).
Desde os anos 30:
Logo no início da década de 30, Curt Lange lança em nosso continente as bases de sua profícua atuação : fun­dação do “Americanismo Musical” (1933-34), publi­cação do primeiro vo­lume da série “Boletín Latinoamericano de Musica” (1935) – contendo obras inéditas de com­positores latinoame­ricanos em suplemento musical -, organi­zação do “Primeiro Festival Lati­noamericano de Mú­sica” (1935), criação do “Instituto Interame­ricano de Musicologia” (1938-39) e da “Editorial Coopera­tiva Interamericana de Compositores” (1941).
O “Americanismo Musical”, idealizado por Lange, demonstra também nítidas analogias de princípios com a “Música Viva” fundada e liderada por H.J.Koellreutter no Rio de Janeiro, desde 1938 (especialmente em seu primeiro momento, e seis anos após também em São Paulo).
Tendo em vista a ampliação de horizon­tes, o movimento “Música Viva” deu ênfase na formação e na criação musicais, fincando suas raízes na realidade contempo­rânea.
O “Americanismo Musical”, por sua vez, embora atento às pro­duções de sua atuali­dade (editando muitas obras de composi­tores contemporâneos), priorizou aspectos documentais, representa­dos pela atividade de pes­quisa dirigida às músicas coloniais e seu res­tauro.
A par de suas características, ambos movimentos se apoiaram numa base comum, que foi a difusão, interna e exte­rna, de músicas aqui com­postas e a atuali­zação do conhecimento musi­cal intensamente processado a ní­vel internacio­nal.
A década de 40 será de grande efervescência e desde 45, penso que possamos dizer que foi cruzada uma importante fronteira na consciência artística desse século XX.
Caminhar com o povo ou em sua direção passou a representar, desde o final da Segunda Grande Guerra (notadamente à partir de 1946), uma pos­tura progressista, que decididamente afas­tou o espírito mo­dernista do hall de entrada das mansões burguesas, aproxi­mando-o da porta das fábri­cas.
Marco de uma segunda fase do modernismo, os progressismos es­tético e político, tal como concebidos então, tornam-se aqui radicalmente inconciliá­veis. Duas tendências predomi­nantes se revelam e podemos ilustrá-las pelos lemas seguin­tes:
“O que é novo é povo, o que é povo é nosso!”, que repre­senta uma continuidade no avanço do nacionalismo e onde a importância do novo se vê em processo de redução.
“O que é novo é novo, o que não é, nada é!” Embora esta frase seja tão “exclamativa” – produtiva e combativa – como a an­terior, nela é atribuído valor e sentido inquestioná­vel e exclusivo à inovação, interpretando como anacrônico a grande maioria dos nacionalismos pratica­dos.
Dificuldades de análise de realidade se impuseram quase sem­pre de­vido à dinâmica dos fatos sociais e à relativa limi­tação, inércia e constrangimento das teorias em assim acom­panharem a mo­bilidade cada vez maior destes mesmos fatos na reali­dade.
Os temas estético-musicais mais abordados ao longo do séc.XX foram: a expressão nacional; a nova e a velha mú­sica, e a idéia de progresso na arte; a música nacional e a interna­cional ou universal; comportamento do músico diante da de­fasagem en­tre criação atual e capacidade receptiva do meio; defasagem entre a criação erudita e a expressão popu­lar; e, mais recentemente, o que é ou não música.
O lema que virá a nortear a fase que marcará a fase seguinte (a tão reiterada pós-moderni­dade) e que, entre outros aspec­tos, se caracterizará pela intensificação da pes­quisa ampla, pelo radicalismo de indagação sobre inusitadas possi­bilidades de con­cepção e ação sócio-musical e pela multipli­cidade diferenciada de enfoques – com espaço às reti­cências e interrogações -, entende-se até os dias de hoje:
“O que é novo, é novo, é o novo, é um novo, novo…; o que é, que será?”
II. Em direção à questão
Nas fases de industrialização das sociedades a moderni­dade se instaurou sobre o território da nacionalidade, re­fletindo forte tendência de padronização e seriação (reprodução do mesmo em série), a quase todos os níveis da estrutura so­cial, e em particular nos costumes, nas artes e na educação.
Sobre todos os as­pectos distintivos e próprios, sobre as particularidades regionais e locais, projetou-se o manto sobe­rano da tendên­cia de uniformização e homogeneidade.
Quanto mais se procurou implantar e desenvolver o organismo social e político das nacionalidades na América Latina, mais se abriram suas veias. A construção do que hoje chamamos países, nações do continente, se deu em processo intenso, dialético, intercambiável de Engajamentos & Rupturas.
Apesar das últimas décadas de questionamento visando romper tal cerco e que acabaram por impulsionar pro­postas e so­luções criativas múltiplas na pedagogia geral e na compo­sição musical, veri­ficamos ainda hoje forte permanência de pro­cedimentos tradicionais no ensino musical.
Mesmo considerando que não seja pos­sível afirmar a existên­cia de uma linguagem una, nas produções musicais bra­sileiras e latinoa­mericanas, as representações metodológicas de en­sino musical aparentam desconhecer tal fato e agrupadas em bloco enfocam, na sua grande maioria, princípios concei­tuais que não mais dão cabo do vasto universo sonoro desen­volvido pelas atuais criações.
No entanto, nosso momento deixa cada vez mais de ser aquele das socieda­des industriais nascentes, no qual floresceram as idéias de massa e consumo ou fruição homogeneizados. Formas e esquemas de produção em série, para artefatos uniformes em uso con­sensuado social e cultural­mente fazem progressiva­mente parte predomi­nante de uma outra época.
Por conseqüência, a questão musical, do ponto de vista esté­tico, tal como correntemente abordada, levita sobre as conven­cionais e pouco sólidas delimitações territoriais, de raças, culturas e credos seculares ou pré-es­tabelecidos.
Mesmo com a grande lentidão e reticência das propostas peda­gógico-musicais em acompanhar e se compatibilizarem com as inovações da música aqui processada, o problema da educação mu­sical nas sociedades contemporâneas da América Latina nesse preciso momento não suscita, a meu ver, um atributo técnico ou estético em essência.
Sua definição, na ausência de con­siderações crí­ticas sobre as próprias produções, é mais de natureza geográfica e ter­ritorial, projetada sobre um ana­crônico pano de fundo marca­damente econômico e polí­tico.
Esta, reitero, não me parece ser a questão mais relevante.
Enquanto houverem cruzamentos, confusões na relação entre ser e estar, isto é, en­quanto não percebermos que nossa mais legítima contri­buição social decorrerá justamente da cons­ciência de quem so­mos individualmente e, após, qual é a classe e sub-grupo es­tético-cultural com os quais nos identifica­mos; enquanto não compre­endermos sinceramente “de onde vem” e “para o que serve” esse nosso desejo de identi­ficação maior e com o exterior… talvez, muito segura­mente, esteja­mos nos restringindo a estandartes de uma problemá­tica, de formas, padrões e/ou mo­delos de pensamento, que não são ne­cessariamente os nossos ou verdadeiros para cada um de nós.
Parece-me oportuno lembrar que não são precisa ou restrita­mente os elementos em si que re­presentam as “descobertas” dos músicos, artistas ou pedagogos. Em última instância, o que deve ser levado em conside­ração é a análise e a conse­qüente compreensão do processo que levou à descoberta de tais ele­mentos.
Assim, o conhecimento sobre a tipicidade das obras que aqui criamos e pro­movemos a existência por meio do ensino pode e po­derá existir sempre a par de qualquer rotu­lação à priori e mediante, essencialmente, uma busca particular deliberada.
Como sabemos, uma das conquistas do pensamento musical rela­tivamente re­cente resulta de substanciais modificações de ótica, ocasio­nadas especialmente pela superação e falência da visão etno­cêntrica.
Com o arrefecimento do conceito de Nação, com o agravamento da situação econômica mundial e seus reflexos diretos na grande maioria dos países latinoamericanos, a situação de di­vulgação e inter-troca ampla entre indivíduos e grupos se agra­vará ainda mais.
Penso que isto, acrescido de um certo temor em abandonarmos consagrados padrões técnicos e de pensamento que em­prestamos, conjugado com a insegurança de que talvez não consegui­remos criar algo em seu lugar – algo mais próprio e de acordo com nossa realidade e a representação que dela fa­zemos – é que se cons­titui num dos maiores problemas dessa nossa época.
III. PELA QUESTÃO POSSÍVEL
O que de mais sensato, a meu ver, poderemos fazer em re­lação à Música e à Educação Musical, no Brasil e na América La­tina, será guardá-la aberta e pul­sante na qualidade de questão.
Considerar simples, cabal e sumariamente sua existência, sentido e grandeza, com base em conceitos e valôres reticen­tes de um estágio cultural em vias de superação seria con­finá-la numa específica concepção histórica. Implicaria em corroborar para alimen­tarmos o significado exatamente con­trário ao que mui­tos de nós no fundo tanto dese­jam: evitar sua estagnação como valor esté­tico, sua inér­cia como patri­mônio cultural, sua desfunção potencial como instrumento in­dividual e social­mente ativo.
Relativamente à educação musical: nós apenas começamos e ainda muito pouco expressamos – refletimos e produzimos – so­bre as músicas fora da Música. Conseqüentemente tendemos a considerar que quase ne­nhuma mú­sica e estratégia pedagógica criamos fora da Música e da Educação Musical.
Ainda, nossos pensamentos, sua comunicação e fixação escrita são até esse presente em boa parte ignorados.
Poucos es­tudos e conhecimentos se elaboram, que não estejam impregnados por superficiais e insensatos relatos de nomes, da­tas, títulos, ou por considerações conceituais e metodoló­gicas exóticas ou simplesmente diluidoras de matrizes es­trangeiros, e estranhos à nossa visão de realidade.
Se houve algum sentido em proceder assim até há pouco, agora as necessidades agora são outras. Possuímos a ta­refa – árdua e feliz – de ter­mos que nos construir internamente e de ma­neira incessante.
Na ausência de novas formas de pensamento, novas con­cepções de mundo e de música correremos o risco de perpe­tuarmos a lamentação dos “sonhos perdidos” ao invés de poe­ticamente, junto à realidade, inventarmos aque­les dos quais seríamos os merecedores mais dignos e autênti­cos.
Penso que para muitos de nós a música, a edu­cação musical e a vida, de uma maneira geral, mostra muitas vezes no coti­diano de nosso trabalho e de nossa existência uma face pouco acalentadora, com modesta possibilidade de ple­nitude e ri­queza de perspectivas.
Vivendo um estágio particular de desenvolvimento da cons­ciência humana – que espelha um forte desgaste ou des­vio de enfoque a respeito de questões bási­cas relativas à existên­cia, à sociedade e à profissão -, boa parte de nossas certe­zas se revelam muito mais frágeis do que habitualmente consi­deramos.
Com isso torna-se opor­tuno ponderar so­bre um ponto, a meu ver, essen­cial: não es­taríamos, em determinadas instân­cias, trans­ferindo para a Música, para a Educação Mu­sical e para o ex­terior (sociedade e suas instituições) proble­máticas que, de fato, re­ferem-se e alojam-se mais propria­mente em nossa ca­pacidade e competência humana ? Por conse­qüência, não ha­veria aí um comprometedor e silencioso descompasso entre a visão, as expectativas que temos de nós mesmos como indiví­duos e de nossa vida com a natureza e quali­dade de relação que esta­belecemos com a música ?
Qual é de fato a noção de Melodia e Harmonia, de Ritmo, de Contraponto e Polifonia que ensinamos a nossos alunos ? Como trabalhamos o sentido do Belo, da Criação, de Imaginário So­noro primeiro conosco, para após os re-criar, em sala de aula, coerentemente com nossa época e sensibilidade?
Creio que necessitamos, mais do que nunca, experimentar no­vos e mais atuais modos de pensar e sentir, de comportamen­tos de relação com a música e seu fazer em primeiro dentro do mi­cro-universo que pertencemos ao invés de, estreita­mente, tentar diag­nosticar, recuperar na imagem maior aquilo tão deficitário na realidade.
Nesse sentido, a tradição e a tradição manifesta no pensa­mento de que os continentes não falem além de sua geografia parece estar superada.
Apenas iniciamos a conjugar em nosso trabalho as recentes e ve­lhas conquistas da percepção e da invenção musical dos po­vos, tão essencial nesse passado-futuro-presente contemporâ­neo.
A questão agora é tanto conhecer melhor o que fazemos quanto fazer melhor o que já conhecemos, conosco mesmos. E isto, diferentemente dos momentos e das modernidades anteriores, necessita ser feito desde dentro de cada indivíduo.
Podemos talvez e devemos certamente tudo ensinar. Não se trata porém de am­pliar o espectro técnico, conceitual, meto­dológico, es­tilístico e, mesmo, humano na quanti­dade.
Sendo essa uma época de questionamentos profundos, a questão fundamental, a meu ver, refere-se ao esgotamento de al­guns padrões estruturais básicos subjacentes às formas habi­tuais de pensamento, de comportamento e de ação, ligados ou não à música, à educação musical e à sua utilização. Conse­quentemente, quando um padrão estru­tural se desgasta e es­gota o desafio passa a ser o de re-in­ventar uma nova quali­dade de percepção e conseqüente visãoantes de si e após do mundo e suas coisas.
Uma nova quali­dade de percepção e visão que seja capaz de instaurar, de maneira criativa e coerente, vi­talidade e legiti­midade para as nossas maneiras de ser, junto ao mundo.
Isto, este sentido mais verdadeiro tanto se “encontra” quanto se “cria”. Porém, esta localização e invenção não se processam, como disse, “fora” ou na “exterioridade” de nós. Ao contrário. Elas solici­tam um investimento sincero e des­pojado de cada indi­víduo (processo quase nunca fácil ou pouco solitário). De­manda as­sim viver radicalmente, apos­tando de maneira cons­ciente e arriscada no sentido de nos li­bertarmos das formas tradicionais usuais, segundo as quais também se manifesta o que é essencial. E é justamente esse ato voluntário e deli­berado, essa procura da essência e de valores mais verdadei­ros, que nos coloca diante de nós mes­mos.
Na ausência de respostas próprias sobre “o que somos” ou “o que pensamos ser”, educar com, para ou pela música já não comporta mais uma fundamental interrogação.
São definições muito importantes, sem dúvida, mas com cer­teza ocorrências à posteriori. Sabermos mais detida­mente apenas sobre aquilo que se opera no exterior pode consti­tuir-se, nesse momento, numa outra maneira de deslo­carmos, uma vez mais, o centro de atenção de nós próprios.
Sem um constante trabalho centrado na pessoa do profissio­nal, e em sua acuidade ampla, poderemos com­prometer se­riamente a música criada, estudada e ensinada, re­duzindo-a a um sim­ples ele­mento de fa­chada ou superfície, ao não consta­tar, loca­lizar ou descobrir nela onde está e como se arti­cula a vida.
Ao invés de outorgarmos status de existência à uma música qualquer – aceitando-a como algo pró­prio e em si -, prestare­mos o desserviço de representá-la desprovida de seus tra­ços mais pecu­liares – isto é, des­provida de si mesma – e assimi­lada, em razão de sua exteriori­dade, à outra de apa­rência análoga e já reper­toriada no para­digma de nossas experiên­cias anteriores. Dessa ma­neira, nada se constrói, nada se amplia, em qualidade.
A realidade po­tencial do objeto tanto quanto o conhecimento sobre ele, o imagi­nário e os con­ceitos do mú­sico sobre mú­sica bem como, seu próprio tempo e função na so­ciedade – per­manecem estagnados, ou de maneira mais pre­cisa, e contun­dente, diluem-se e degeneram-se fran­camente.
Por outro lado, assim agindo, teremos parti­cipado e refor­çado uma antiga tra­dição já em nosso meio, que vem consis­tindo em ignorar a pesquisa como um procedimento dinâ­mico, cuja ori­gem e processo se dá verdadei­ramente desde o inte­rior do indivíduo.
Muito embora se saiba que, para além da forma-aparente e da beleza-ver­niz haja sempre nas obras artísticas uma qua­lidade vital que conduziu o pro­jeto de sua criação, o que cor­rentemente vemos sendo estudado e ensinado nas escolas de música são tão somente essa forma-aparente, sua beleza-ver­niz e variadas questões orbitais.
Creio que o que esse momento mais solicita é que insta­lemos a procura sincera e uma certa “sabedoria de si” como meca­nismos de re-vitalização de nossas ações, conosco mesmos, com a relação que estabelecemos com a música, criação, edu­cação, nosso tempo e sociedade.
“O professor é aquele que de repente… aprende”, como disse Gui­marães Rosa. Seria desejável agora que ele conjugasse tam­bém o poeta, aquele que, entre tantos, é capaz de… re­conhecer o essencial e chamá-lo pelo nome.
Quem somos, para onde e com quem estamos caminhando?
Estas são algumas das indagações que, se constante­mente vi­vas, deveriam nos estimular por um lado não apenas a estu­dar mas sobretudo a apren­der com a pluralidade das músicas aqui compostas. Por outro, a criar e vivenciar cada vez mais as múltiplas manifestações da música, lembrando, sempre que possível que a Música nada mais é do que o conjunto de todas as suas versões.
Esta seria uma maneira de ampliar sem­pre as fronteiras desse termo e de nossa própria expressão.
Assim, nos desembaraçando de imagens aprisionantes, em cada pensa­mento – aflorado em nossas aulas ou escrito em nossos textos – e em cada nota – aposta em nossas mú­sicas ou expressa em nossos gestos -, nos co­nheceremos tam­bém e produziremos ainda além.
Produziremos inovadoras e mais adequadas concepções de nós, da música e de mundo, que, mediante reflexão e criação since­ras, poderão se mostrar capazes de nos impulsionar em direção a questões, respostas e posturas progressivamente autênti­cas, particularmente univer­sais e provisoriamente definiti­vas.
Carlos Kater, compositor e musicólogo, Doutor em História da Música e Musi­cologia pela Universidade de Paris IV-Sorbonne, é Professor Ti­tular da Es­cola de Mú­sica/UFMG. É Coordenador do NAPq-Núcleo de Apoio à Pesquisa e Di­retor do CPMC-Centro de Pesquisa em Música Contemporânea e também Editor das revistas Cadernos de Estudo (Análise Musical e Educação Musical).


Artigos, Livros, Palestras e Revistas
AS NECESSIDADES DE UMA EDUCAÇÃO MUSICAL CRIATIVA HOJE

Múltiplos espaços e novas demandas profissionais na educação musical: as competências necessárias. [X Encontro ABEM, Uberlândia: Set-Out/2001]
Pilão (CD) / Chico Rei (VT) / Transp. Competências Ed.Mus.

Em primeiro lugar gostaria de parabenizar os organizadores deste evento e expressar meu contentamento em estar junto com vocês. Estas ocasiões de encontro representam maravilhosas oportunidades de crescimento para todos nós e de aprimoramento do trabalho que realizamos.
Minha exposição aqui se dará fundamentalmente na fala do educador. Com isto desejo poder dirigir-me mais diretamente aos professores presentes, aos educadores que somos todos.
As reflexões que se seguem têm origem numa única questão, colocada genericamente: Porque apesar de todas as informações acessíveis hoje ao educador musical, de tudo o que sabe, vê e ouve cotidianamente na realidade, tende ainda a considerar seu exercício profissional desvinculado dessa mesma realidade?
1) Onde estamos
Quando nos referimos às ações educativas realizadas em nosso país, dentro e fora dos contextos formais de ensino, é importante termos em mente alguns dados contextualizadores e, em conseqüência, uma adequação da concepção que costumeiramente fazemos da realidade.
Existem ainda no Brasil 1.200.000 crianças entre 7 e 14 anos fora da escola, assim como 65% dos jovens entre 15 e 17 anos; 50.000 crianças, além de não freqüentarem nenhuma instituição de ensino, trabalham em lixões para ajudar seus pais; 16.000.000 de brasileiros sobrevivem apenas da solidariedade (algo portanto em torno de 9% da população).[1]
Se mais da metade dos jovens estão fora da escola, uma parte deles no entanto pode estar participando de alguma atividade em centros de cultura, esportes e laser, promovida por entidades governamentais, filantrópicas, particulares ou religiosas, bem como acompanhados em liberdade assistida.[2]
Por outro lado, raras são as escolas públicas que possuem em seu quadro funcional professores com formação específica em artes e música. Assim, de maneira geral, a educação musical não faz parte da vida dessas escolas, salvo enquanto atividades festivas do calendário oficial (religioso, cívico e comercial).
É desde aqui que poderemos rever a leitura sobre a realidade, suas necessidades efetivas e o nosso próprio papel, como educadores e cidadãos atuantes na sociedade.
As considerações que farei a seguir referem-se aos dois casos acima citados (instituições de ensino e centros informais de aprendizagem).
2) Mosaico interativo
O momento que vivemos é, como todos os outros, particular e diverso. Por um lado as cidades brasileiras não são mais aldeias, distanciadas anos-luz dos principais centros econômicos e culturais mun­diais, e iso­ladas das inúmeras informações que, a cada se­gundo, orbitam o planeta. Os agenciamentos que progressivamente vemos florescer hoje re­sultam de grupos de afinidade e de interesse, onde a questão estética ou educativa, muitas vezes, levita sobre as delimitações convencionais de territó­rios, raças, culturas e credos.
Ao mesmo tempo interagimos num amplo mosaico de representações culturais, onde aglomerados de tendências urbanas recentes fazem contraponto com aqueles das periferias e com os do passado. Assim, se, por um lado, tamanha multiplicidade de representações signifique complexidade, por outro é reflexo de vigor e riqueza, seja em suas particularidades seja em seu conjunto.
Todas estas tendências porém expressam a dinâmica dos fatos socioculturais e se chocam contra a inércia dos padrões de interpretação, das teorias e modelos ainda vigentes. A dificuldade em acom­panharem a mo­bilidade cada vez mais veloz destas novas interações, instaura forte limitação de análise da realidade e de ação junto à ela, tornando-se necessária, neste cruzamento, a concepção de novos modelos de representação do mundo.
Penso que um certo temor em abandonarmos técnicas já consagradas e assimiladas, conjugado com a insegurança de que talvez não consigamos criar algo em seu lugar constituem-se num dos maiores entraves da educação musical tradicional.
O sucesso de nosso trabalho depende porém da oportunidade que nos oferecemos de agir, lan­çando-nos à apropriação das formas vivas de cultura presentes, à busca do conhecimento de outras identificáveis, e criando, em conseqüência, idéias e procedimentos mu­sicais originais, em ressonância com as particularidades do meio em que atuamos. Processar asssim também a universalização do particular e a particularização do universal.
Diante de espaços múltiplos de ação, de interação social e cultural, o pilar central da competência do educador musical passa então a depender da capacidade de construir uma visão crítica e atenta da realidade, em assumir o desafio de explorar os seus próprios potenciais de auto-observação, de percepção e de criação.
3) O “outro” necessário
Dentre as necessidades mais freqüentemente observáveis por parte dos educadores (musicais ou não), continuam sendo a carência de materiais didáticos [3] e de projetos de formação continuada.[4] Tais reivindicações são indiscutivelmente pertinentes sobretudo a fim de se evitar a diluição “natural” de conteúdos, a perda de vista dos objetivos de atividades e das metas do trabalho, bem como o atendimento do tempo necessário para a consolidação de competências.
No entanto, chama-me a atenção o fato de vivermos num país com tradições culturais milenares e manifestações expressivas atuais de imenso brilho e originalidade, e ao mesmo tempo depararmo-nos com a escassez de materiais-suporte que contemplem em sua constituição tais manifestações.[5]
E quando possibilidades efetivas de contato se oferecem, notamos seja um certo descomprometimento diante de uma história original de constituição étnica e racial, seja um descaso face ao valor que há nas realizações supostamente corriqueiras ou mesmo naquelas intencionalmente extraordinárias. Dessa forma, esvazia-se o sentido que direciona todas as ações expressivas humanas.
Assim, a questão “Porque a vida das músicas que temos aqui e das culturas que elas representam permanece aprisionada e alheia a nós ainda hoje?”, passa a ser mais facilmente compreendida. (fora das salas de aula, das escolas, dos centros de cultura…)
O “outro” – o da outra cultura, dos outros valores, de outros tempos – é também o novo e o novo assusta. Representa entidade múltipla, fator de contraste, distinção e ruptura diante do conhecido habitual. É a possibilidade do diverso, da surpresa, da evocação do futuro no presente. Impõe dinâmica, conclama para si a atenção, é incomodo instigante, que ameaça pelo espaço que difere, pelo “não-eu” que instaura.
Mas este “novo” é a essência mesma da arte que ensinamos, e a ponte em nossa relação com o “outro” (aluno). Ele corresponde às inusitadas perspectivas e possibilidades de sermos e conhecermos o mundo, E a percepção dinâmica de quem somos e o que poderemos vir a ser é força que choca e provoca consciência.
Neste sentido evitar o contato com o novo é evitar o movimento de uma forma particular do conhecimento. Movimento fundamental, sobretudo para aqueles que lidam com música, com a criação e com a formação humana, onde o processo de superação de fronteiras e limites é sempre realidade.
Como é possível conferir existência verdadeira a algo que não conhecemos, a alguém que desde dentro não contatamos? O educador que se propõe decisivamente a contatar o “novo”, o “outro”, em si, na música e na sociedade, pode, em conseqüência, reconstruir numa outra dimensão o que se propõe a ensinar. E esta é atitude necessária – “nec cedere” -, que não devemos jamais ceder.
4) Competências e funções do educador musical
O perverso desequilíbrio da distribuição em nosso país não está apenas relacionado às questões que costumamos nos referir (renda, terra, etc.). Ele está, e muito, diretamente associado à fragilidade de acesso ao patrimônio cultural, quase que só favorecido de forma efêmera. Talvez aí mesmo se situe o limite entre pobreza e miséria. (que por simplicidade muitas vezes confundimos)
Ao educador musical cumpre também transferir conhecimentos de um domínio a outro, de uma classe social a outra, assim como re-ativar um patrimônio cultural até então inativo por estar inacessível. Esta é uma atitude que intensifica a dinâmica cultural, socializa informações e oferece chances mais justas de representação e participação social.
Entre as funções do educador está também a de formador de atitudes. Para tanto, porém, é preciso que ocorra de sua parte um engajamento, que corresponda ao trabalho de aprimoramento individual. Esta postura possibilitará distinguir problemáticas internas de externas, de maneira a não eternizar a suposição de que as deficiências e limitações da educação situam-se exclusivamente fora de si, portanto alheias à sua competência.
Opção contrária, a responsabilidade pela geração e pela solução dos problemas existentes será imputada “conseqüentemente” ao “outro”, àquele e àquilo que melhor se puder justificar.
Este mecanismo de transferência reduz o desempenho do educador e restringe suas possibilidades de ação, bem como as perspectivas de sua efetiva participação, como profissional e cidadão, junto à sociedade.
E ao educador musical cabe se pronunciar sobre as questões centrais de seu tempo e propor alternativas para as problemáticas da comunidade onde atua.
Ser um “educador musical” é em realidade condição especial, na medida em que lida com uma ferramenta dupla e conjugada (educação e criação), que propicia o desenvolvimento de qualidades humanas e a transformação da realidade. Confere assim à esta função um papel muito mais relevante e fundamental do que em geral temos visto.
Em sua formação portanto ao lado do desenvolvimento de habilidades técnicas, impõe-se um trabalho que promova a mudança do foco de percepção e seu crescimento humano, expressos coerentemente tanto em discurso quanto na prática (mudança efetiva de atitude que reflita concretamente uma concepção própria de si e do mundo).
Desta forma, então as metas fundamentais de seu trabalho podem ser atingidas; isto é, a produção de resultados tecnicamente eficientes, socialmente necessários e humanamente construtivos.
Nesse sentido consideramos que a música, tal como vem sendo trabalhada, é reflexo de uma concepção mais própria de outra época (formação de artistas) e insuficiente para atender as necessidades atuais. Não estamos formando consistentemente educadores musicais com a qualificação necessária, tanto no sentido de atender as transformações demandadas pela sociedade, quanto no de provocar outras de impacto por iniciativa própria.
5) A procura da chave
A fim de ilustrar uma situação particular recorro aqui à uma história.
Caso a conheçam, peço que procurem reouvi-la com novos ouvidos, assim como jamais escutamos a mesma música da mesma forma.
É uma estória sobre um personagem literário da filosofia Sufi, Nasrudin (A procura da chave no salão iluminado).
A reflexão que proponho aqui é a seguinte. Até que ponto não estamos tendendo também a buscar soluções e alternativas de trabalho que facilitem nossa prática pedagógica nesses “salões iluminados”? Porque não procurar justamente criar alternativas autênticas desde os pontos aparentemente mais obscuros? Estes são de fato os espaços do imprevisto, do desconhecido e das dificuldades, com os quais nos defrontamos todo o tempo enquanto profissionais e seres humanos, espaços-momento oportunizadores de nossas descobertas mais autênticas.
6) Da criação e re-invenção
Muitas vezes acabamos por realizar um equivoco no que temos chamado de “resgate” da entidade cultural ou do patrimônio brasileiro. Imaginamos ser possivel de alguma forma “pinçar” manifestações criativas, tais como elas sempre existiram, da mesma maneira. Como se estivéssemos num ponto do espaço-tempo que chamamos de presente e elas de alguma forma houvessem dele escapado, objetos inertes abandonados no passado.
Toda expressão criada representa a vida que lhe deu origem e dela necessita para de fato voltar a existir. Podemos recuperar manifestações mas o resgate da entidade cultural só parece ser possível pela “re-invenção”. Re-inventar justamente o conceito de patrimônio e de identidade cultural, a partir dos traços observáveis no presente, explorando e re-criando suas características, com uma contribuição pessoal competente.
Isto implica em reconhecer os dados de essência dessas manifestações, ao mesmo tempo em que intervimos criativamente para desenvolvê-los, presentificando-os em sua potencialidade. O que não significa recorrer casuisticamente a modas passageiras, mas, bem diferente, respeitar o que nessas manifestações é essencial e, a partir desta essência, torná-la acessível e contemporânea, segundo uma sinceridade profunda de nossa percepção.
E o critério que baliza esta “sinceridade profunda de nossa percepção” não é aquele de “verdade”, mas sim de “validade”. O momento atual é oportuno para que se situe a idéia de “Verdade” – aparentemente única, perene, preexistente e inquestionável -, ao lado de validades, viabilidades, onde construímos o próprio, pertinente e adequado, integrando um conjunto de variáveis. Só a partir disto é que estaremos em medida de reconhecer o que possa ter sentido de “verdade” provisoriamente definitiva.
7) Concluindo…
O que habitualmente interpretamos do mundo é, por várias razões, mais obra de projeções e reflexos do que da compreensão dos objetos em si. Esta é a questão da nossa leitura do mundo, que se coloca na distinção entre Ser e Estar, entre elementos e o que deles imaginamos a cada instante.
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento
Assim como as flores não têm perfume nem cor
A cor é que tem cor nas asas da borboleta
No movimento da borboleta o movimento é que se move
O perfume é que tem perfume no perfume da flor
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor [6]
A dimensão do universo de nossa percepção só pode ser melhor avaliada em contraposição ao que não percebemos. Mas porque insistimos em escutar tão pouco o mundo onde nos encontramos, com o qual procuramos dialogar e do qual fazemos parte?
É tempo de integrar ao conceito de conhecimento, ainda largamente adotado nos processos regulares de aprendizado, um outro. Uma maneira mais sensível – dirigida à percepção criativa -, segundo a qual se favoreçam novas compreensões, “algum tipo de ‘insight’ em relação ao objeto, matéria ou atividade que desafia a identificação objetiva”.[7]
E essa maneira sensível e desafiadora representa uma outra e nova atitude, engajada e relacional, de dar estado de existência às formas de ser, nos agenciamentos de individualidade e pluralidade, melodia e contexto, em si e no diálogo que mantemos insuspeitamente com as partes de um suposto todo.
Como mencionamos antes: praticamente não existem mais “aldeias” isoladas no planeta. A mesma força que move a tecnologia e aproxima as pessoas acaba, pelos mecanismos da mídia, por impor padrões de uniformização que camuflam justamente as especifidades características de cada individuo, de cada maneira de ser e de agir, de cada cultura, de cada época.
É o contato direto com este “outro” (representado por cada uma dessas infinitas maneiras de ser e estar) – e não meramente o seu acolhimento intelectual -, a descoberta contínua de seu significado e o conhecimento recriado de suas construções simbólicas que gera em nós o sentido de amplitude; o respeito fraterno e inteligente de particularidades e também a percepção sutil da transcendência universalizante a partir daquilo que nos faz originais.
Pouco têm sido desenvolvidas as capacidades de percepção e de criação fora da “Educação Musical”. Parte significativa das limitações que constatamos hoje na música e no mundo são justamente o resultado disto.
Mesmo que muitos de nós não tenham ainda a marca ou a titularidade da competência, seria desejável que explorassem as condições de dominar a sua prática. E isto, a busca da prática da competência, é, sem dúvida, o que importa imperativamente para a construção saudável da sociedade.
Carlos E.Kater, educador, musicólogo e compositor, é Doutor pela Universidade de Paris IV-Sorbonne (1981) e Professor Titular pela Escola de Música da UFMG (1991). Vice-Presidente da ABEM, criador e editor das revistas CEAM, CEEM e Música Hoje, possui textos e livros publicados, bem como músicas editadas e interpretadas no Brasil e no exterior. É Diretor-Presidente da Atravez (ONG) que atua na área sócio-pedagógica em periferias urbanas. Consultor da FAPESP, FAPERJ e outras instituições, realiza regularmente assessorias, conferências, cursos e oficinas de formação em “Criação na Educação”.
[1] Informações sobre a pobreza no Brasil; cf. Click Fome.
[2] Diante desta situação compreende-se melhor o papel das ONGs e agentes voluntários, o significado de suas iniciativas isoladamente ou realizadas em conjunto com o poder público.
[3] Temos visto freqüentemente uma forte demanda por materiais didáticos, de toda natureza. E, praticamente com a mesma intensidade, verificamos também sua rápida transformação em “receitas”, aplicadas nas classes ou grupos de trabalho, sem maiores considerações sobre sua pertinência. A necessidade tanto de materiais, quanto de formas aplicativas e de estratégias didáticas é, sem dúvida, legítima. Porém, para que não se constituam em modelos de recorrência mecânica, em instrumental restritivo do processo formador é necessário que sejam re-inventados, com base nas características dos participantes e nas circunstâncias específicas em que atuamos (local, objetivo, etc).
[4] As oficinas de breve duração, bem como cursos de “reciclagem” de fim-de-semana têm se mostrado ineficientes quando consideramos o tempo particular de assimilação de conteúdos e de desenvolvimento de habilidades.
[5] Milenares e não apenas seculares, visto que as manifestações indígenas nativas, assim como as africanas que aportaram, têm suas origens em datas notavelmente anteriores à chegada dos europeus no continente brasileiro.
[6] PESSOA, Fernando. ……., p. …
[7] MARINO JR., Raul. O cérebro japonês. SP: Massao Ohno, 1989, p.48.
Artigos, Livros, Palestras e Revistas
A FORMA VARIAÇÃO: SEUS PRIMÓRDIOS NA EUROPA

[in: ART, Revista da Escola de Música da UFBa, nº16. Salvador: UFBa/ CNPq, 1988, pp.13-32.]

Artigos, Livros, Palestras e Revistas
ANÁLISE GRÁFICA DA SINFONIA OPUS 21, DE A. WEBERN (II MOVIMENTO)

In: WEBERN, Anton. O caminho para a música nova. (Trad.C.Kater). São Paulo: Novas Metas, 1984, p.182-208.
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